A prática clínica dos profissionais que atuam na ESF pode ser entendida dentro de um conjunto integrado e articulado de atividades e ações que visam promover atenção integral à saúde. Entre elas podemos listar (RAMOS, 2008):
Na ESF, principal modelo assistencial da APS, a participação do enfermeiro é fundamental para o planejamento, a execução e a avaliação da programação de saúde, bem como das ações de Vigilância em Saúde. Sua participação se dá de forma individual ou na interface com as equipes multiprofissionais quando da elaboração, da execução e da avaliação de planos terapêuticos de saúde (BRASIL, 2011).
Respaldados pela LEP e norteados por métodos específicos à sua clínica, os enfermeiros realizam a assistência aos diferentes ciclos de vida individual e familiar e, em situações específicas de adoecimento, como é o caso das doenças crônicas predefinidas pela Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS) 2001/02 como prioritárias nos programas ministeriais de Atenção à Saúde, tais ações são realizadas por meio das consultas de enfermagem individual ou familiar.
A portaria da Atenção Básica de 2011 define atribuição específica desse profissional no âmbito da APS.
Na ESF, a clínica do enfermeiro se dá em diferentes espaços de interação com os clientes do serviço, sendo eles a Unidade de Saúde e o domicílio, em modalidades de atendimento individuais e coletivas.
O trabalho clínico do enfermeiro, quando no âmbito do atendimento individual e familiar, deve atender a dois elementos essenciais: o primeiro é ser orientado pela LEP, e, nas decisões que envolvem intervenções, ser orientado por manuais, linhas de cuidado ou protocolos clínicos específicos ou multiprofissionais validados pelas instâncias da categoria, do município ou da União, de forma a legitimar sua assistência, pela redução das variabilidades de decisões e condutas, garantindo dessa forma a qualidade da assistência e a segurança do paciente (HARADA et al., 2011; MATUMOTO et al., 2011).
O segundo elemento essencial à clínica do enfermeiro é a habilidade deste de combinar essas padronizações específicas diagnósticas e terapêuticas às inevitáveis variações presentes em cada caso, considerando que esse movimento conduz a outra dimensão assistencial, que é o exercício da clínica ampliada. Em sua essência, praticar uma clínica ampliada na produção do cuidado em saúde permite conhecer os usuários considerando-os como sujeitos do seu contexto de vida (familiar e coletivo) e as influências que essa interação proporciona aos seus processos de construção de resiliência sob as diferentes condições de saúde e adoecimento (CAMPOS; AMARAL, 2007).
Logo, a atuação do enfermeiro na gestão da prática clínica não é apenas uma arte (considerando o ato de criar, a partir da percepção e interpretação de ideias e comportamentos). Ela é pautada na ciência, na propedêutica e terapêutica orientada por um arcabouço teórico desenvolvido por meio de um processo sistemático, definido pelas competências técnicas específicas da categoria e pelo uso de instrumentos guiados a uma abordagem organizada para alcançar propósitos.
É importante destacar que os focos do atendimento do enfermeiro são o bem-estar e a autorrealização do sujeito, experiências e reações do indivíduo, família e comunidade e as experiências da doença e processos de vida. Na ESF, tais focos são ampliados para a família, aqui entendida como uma unidade de cuidado e de perspectiva no processo de trabalho (ANGELO; BOUSSO, 2001).
O papel clínico do enfermeiro foi estudado por Mendes (2010), em sua tese de doutorado, chegando a alguns resultados, tais como:
O mesmo trabalho estudou a autonomia clínica, chegando às seguintes considerações:
Continuando, os dados indicaram ter o paciente como o centro do cuidado, ter finalidades e intencionalidade com atributos principais do papel clínico. O desempenho do papel clínico requer que o enfermeiro tome posse da autonomia clínica, que a exerça nas interações e nas ações junto ao paciente e se perceba empoderado por esse exercício.
Papel clínico é uma competência que se articula como uma forma de poder mediada pela autonomia clínica.
A autonomia clínica concede ao enfermeiro o poder de pensar, imaginar e planejar o cuidado e de influir na saúde o paciente.
Nesse contexto, a Consulta de Enfermagem se configura como uma prática clínica que abrange os vários elementos discutidos sobre o papel clínico do enfermeiro.
Essa prática clínica consiste em uma assistência sistematizada de enfermagem, privativa do enfermeiro, operacionalizada nos diferentes níveis de complexidade, em espaços específicos programados ou não, de forma individual ou familiar, realizada por profissional enfermeiro habilitado para essa modalidade. Está respaldada pelo Art. 11, inciso I, alínea "i" da Lei no 7.498, de 25 de junho de 1986, e no Decreto 94.406/87, que a regulamenta, a legitima e determina como sendo uma atividade privativa do enfermeiro. Ela utiliza componentes do método científico para identificar situações de saúde/doença, prescrever e implementar medidas de Enfermagem que contribuam para a promoção, a prevenção, a proteção da saúde, a recuperação e a reabilitação do indivíduo, da família e da comunidade. Tem como fundamentos os princípios de universalidade, equidade, resolutividade e integralidade das ações de saúde.
O processo de enfermagem é o método utilizado para sistematizar a Consulta de Enfermagem. Sua forma atualmente mais conhecida e definida pelos especialistas consiste de cinco fases ou etapas sequenciais e inter-relacionadas, a saber: levantamento de dados ou coleta de dados de enfermagem (ou histórico de enfermagem); diagnóstico de enfermagem; planejamento de enfermagem; implementação; e avaliação de enfermagem (ROSSI; CASAGRANDE, 2001).
A implementação do Processo de Enfermagem demanda habilidades e capacidades cognitivas, psicomotoras e afetivas, que ajudam a determinar: o fenômeno observado e o seu significado; os julgamentos que são feitos e os critérios para sua realização; e as ações principais e alternativas que o fenômeno demanda, para que se alcance um determinado resultado.
Esses aspectos dizem respeito aos elementos da prática profissional considerados, por natureza, inseparavelmente ligados ao Processo de Enfermagem: o que os agentes da Enfermagem fazem (ações e intervenções de enfermagem), tendo como base o julgamento sobre necessidades humanas específicas (diagnóstico de enfermagem), para alcançar resultados pelos quais são legalmente responsáveis (resultados de enfermagem) (GARCIA; NÓBREGA, 2009).
Portanto, o Processo de Enfermagem indica um trabalho profissional específico e pressupõe uma série de ações dinâmicas e inter-relacionadas para sua realização, ou seja, indica a adoção de um determinado método ou modo de fazer, fundamentado em um sistema de valores e crenças morais e no conhecimento técnico-científico da área.
Além do método, como sequência de passos definidos para o alcance de um fim específico, esse processo pressupõe o cuidado centrado na pessoa, a partir de uma ação em que o entendimento é fundamental, caracterizando-se, portanto, em uma ação comunicativa (ROSSI; CASAGRANDE, 2001).
No Brasil, os Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem têm alertado os enfermeiros quanto à importância da implementação dessa metodologia de assistência, por meio da consulta de enfermagem.
A última resolução do COFEN (Resolução n.358/2009) dispõe sobre a sistematização da assistência de enfermagem e a implementação do processo de enfermagem em ambientes públicos e privados, em que ocorre o cuidado profissional de enfermagem. Essa resolução estabelece que a Consulta de Enfermagem seja organizada por método fundamentado no Processo de Enfermagem, que define as cinco etapas inter-relacionadas, interdependentes e recorrentes, sendo: coleta de dados (histórico); diagnóstico de enfermagem; planejamento; implementação; e avaliação de enfermagem. Essas etapas devem fornecer a base para avaliação dos resultados alcançados e, ainda, ser registradas formalmente em prontuário clínico, garantindo a continuidade da assistência ao indivíduo/família (SAMPAIO, 2010).
Dessa forma, esse método orienta instrumentos para a organização da assistência, que direciona o raciocínio clínico em um continuum de contextos dinâmicos, corroborando para a tomada de decisões sobre as necessidades identificadas e dirigidas aos cuidados para o indivíduo, família ou comunidade (LUNNEY, 2009).
Quanto à etapa do Diagnóstico de Enfermagem, a nova Resolução do COFEN ainda não determina uma taxonomia específica, deixando o profissional enfermeiro livre para descrever esse diagnóstico, podendo ser entendido como um processo de julgamento clínico, sendo, portanto, tradicional na prática da enfermagem ou como um termo que expressa a conclusão do julgamento clínico que focaliza as respostas apresentadas pelos clientes. O que se reveste de certa novidade são as iniciativas de se construir um sistema de linguagem compartilhado pelos enfermeiros.
Mesmo que não haja um sistema de padronização de linguagem, a decisão de realizar um determinado cuidado é pautada na discriminação da situação que se deseja reverter. Portanto, o diagnóstico de enfermagem existe com ou sem o uso da linguagem padronizada.
A literatura tem evidenciado que a falta de uma linguagem universal, que estabeleça a definição e a descrição da prática profissional, tem comprometido o desenvolvimento da enfermagem como ciência.
Vários especialistas afirmam que a utilização de sistemas de classificação propicia diversos benefícios para a profissão, tais como:
A enfermagem tem buscado a uniformização da linguagem por meio de várias iniciativas para o desenvolvimento de classificações para a sua prática profissional.
Uma dessas classificações é a Classificação Internacional de Práticas de Enfermagem (CIPE), organizada pelo Conselho Internacional de Enfermagem (CIE), e definida como uma classificação de fenômenos (ou diagnósticos), ações (ou intervenções) e resultados.
A CIPE representa o marco unificador de todos os sistemas de classificação de elementos da prática de enfermagem (diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem) disponíveis na área em âmbito profissional.
Nesse processo de construção da CIPE, percebeu-se que, embora alguns sistemas de classificação existentes já incorporassem termos relacionados a esses campos da prática, ainda havia a necessidade de identificar e incluir novos termos associados à Atenção Primária e à prática de enfermagem em serviços comunitários de saúde.
Partindo dessa constatação, foi delineado e executado o Projeto Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva no Brasil (CUBAS; EGRY, 2008), que elaborou um inventário vocabular de enfermagem em saúde coletiva, validando 99 termos e suas respectivas definições por um grupo de juízes.
A utilização dos diferentes sistemas de classificação no Brasil ainda é embrionária, restringindo-se às pesquisas, em especial na pós-graduação, e a algumas tentativas de emprego no ensino e na prática.
Dentre as experiências que vêm sendo desenvolvidas no Brasil utilizando a CIPE, merecem destaque a incorporação da CIPE versão Beta2 e os resultados do CIPESC no prontuário informatizado, utilizado em toda a rede básica da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba-Paraná. Os enfermeiros curitibanos, ao construirem os diagnósticos e as prescrições de enfermagem nas áreas de saúde da criança e saúde da mulher, elaboraram a Nomenclatura de Diagnósticos e Intervenções de Enfermagem da Rede Básica de Saúde do Município de Curitiba.
A experiência de Curitiba comprovou que é possível a utilização da linguagem CIPE em Atenção Primária à Saúde como um instrumento para sistematizar a prática de enfermagem em saúde coletiva e, consequentemente, para aumentar a visibilidade e o reconhecimento profissional do enfermeiro.
Segundo o COFEN, a operacionalização e a documentação do processo de enfermagem evidenciam a contribuição da enfermagem na Atenção à Saúde da população.
Com a expansão do ESF no país, ocorreu o avanço da implantação da Consulta de Enfermagem em Unidades Básicas de Saúde, devido à contratação de maior número de enfermeiras que realizam essa atividade como estratégia de atendimento de caráter generalista, centrado no ciclo vital e na assistência à família.