A história da Saúde Pública no Brasil, influenciada pelo contexto internacional das Políticas de Saúde, vem, nos últimos 30 anos, se caracterizando por importantes mudanças na estrutura dos seus serviços e na determinação de arranjos e práticas assistenciais de saúde.
No final da década de 1970 e no início dos anos 1980, a partir do referencial proposto em Alma Ata (1978), surgem as primeiras experiências de implantação de serviços municipais de saúde.
O documento de Alma Ata, em 1978, responsável pelas bases do conceito de promoção da saúde, trouxe um novo significado e um novo entendimento sobre a noção de território e do meio ambiente no entorno dos serviços de saúde, além de propiciar a ideia sobre a determinação social da saúde.
Essa Conferência considerou os cuidados primários essenciais para a promoção e a proteção da saúde, que se realizam por meio de métodos e tecnologias práticas, requerendo ações intersetoriais e interdisciplinares.
A partir desse momento, reconhece-se a sensibilização das autoridades mundiais responsáveis pela melhoria da qualidade dos serviços ofertada à população, em seus vários níveis de complexidade. Nesse contexto, ganham forças o Movimento da Reforma Sanitária, o Movimento Pró-Participação Popular na Constituinte, os quais, com suas ideologias e amplos debates, conquistam em 1988, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, a Reforma Sanitária. A instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, por meio da Lei nº 8.080 de 1990, torna-se um marco na direção de nossa experiência civilizatória, consolidando-se como um sistema público de políticas de saúde que reorganizou as práticas assistenciais por meio dos seus princípios doutrinários.
A municipalização dos serviços de saúde torna-se uma diretriz operacional do novo sistema de saúde. Configurando-se em um novo desenho organizacional, surgem a noção de território e a necessidade de se delimitar, para os sistemas locais de saúde, bases territoriais de abrangência populacional, na perspectiva de se implantar novas práticas em saúde capazes de responder com resolutividade – equidade e integralidade de ações – às necessidades e aos problemas de saúde de cada área delimitada (GONDIM et al., 2009).
Seguindo uma linha de pensamento, importante citar que alguns autores relatavam um novo significado e um novo entendimento sobre a produção da saúde, considerando o território como cenário que influencia e é influenciado pelos processos de vida do homem. O território passa a representar muito mais que uma extensão geográfica, possibilitando conhecer o perfil demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político, social e cultural que o caracteriza e o expressa como forma dinâmica, em permanente construção, projetando-o como um cenário de práticas de interação entre as equipes, a comunidade e outros setores da sociedade (MENDES, 1993; BARCELLOS; ROJAS, 2004; GIDDENS, 1989).
A Atenção Primária à Saúde (APS) passa, então, a integrar um processo permanente de assistência sanitária, que possui como pilares estruturantes a integralidade, a longitudinalidade, a acessibilidade e a coordenação do cuidado. Nesse sentido incluem-se a prevenção, a promoção, a cura e a reabilitação, orientando-se para a comunidade e articulando-se por meio de ações intersetoriais (GIOVANELLA, 2008; STARFIELD, 2002).
Atualmente, a Atenção Primária desenvolve papel fundamental na operacionalização do SUS no âmbito nacional, tendo em vista que ela também oportuniza a articulação dos serviços de saúde entre e si e com a população, tecendo uma rede permanente de relações políticas, democráticas e participativas (MONTENEGRO, 2010).
Nesse sentido, desde 1990 a Estratégia Saúde da Família contribui como "carro-chefe" para a operacionalização do SUS, porém, influenciada pela realidade que compreende os aspectos atuais da política, da economia e da cultura das diferentes regiões por ela assistida, não pode ser única como proposta nem excludente de outros modelos assistenciais, pois ambos se incorporam à APS. Preconiza-se que a Estratégia Saúde da Família (ESF) deva trabalhar na ótica da concepção das práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, sendo estas dirigidas às populações de diferentes territórios geográficos e políticos pelos quais os serviços devem assumir responsabilidades. Nesse sentido, a ESF atua como norteadora de propostas de transformação de práticas que vigoram sobre a configuração atual dos outros modelos, por meio de uma reorganização que compõe parte do conjunto de prioridades políticas apresentadas pelo Ministério da Saúde e aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2002; BORGES; BAPTISTA, 2010).
Importantes transformações na formação de pessoas para atuar nesse cenário surgem pautadas nas formulações de leis, nas portarias, nas criações de índices oficiais de qualidade da assistência prestada pelo SUS, no incentivo e no incremento à educação permanente destinada à atualização e à especialização de profissionais de saúde.
O Ministério da Saúde reconhece e valoriza a formação dos trabalhadores como um componente para o processo de qualificação da força de trabalho no sentido de contribuir decisivamente para a efetivação da Política Nacional de Saúde. Essa concepção da formação busca caracterizar a necessidade de elevação da escolaridade e dos perfis de desempenho profissional para possibilitar aumento da autonomia intelectual dos trabalhadores, domínio do conhecimento técnico-científico, capacidade de gerenciar tempo e espaço de trabalho, de exercitar a criatividade, de interagir com os usuários dos serviços, de ter consciência da qualidade e das implicações éticas de seu trabalho (BRASIL, 2007).
Nesse movimento pró-melhoria de novas práticas de saúde, as escolas voltadas à formação para a saúde também vêm aderindo e compreendendo que a produção da saúde se dá a partir da ótica multiprofissional e interdisciplinar. Há mais de dez anos, com as reformas curriculares e considerando que hoje temos mais de dez profissões da área da saúde, as escolas de formação contribuem caminhando nesse sentido, porém ainda existem muitos desafios. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) explicita que o seu campo de regulação incide sobre parte do espectro dos processos educativos: "a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais" (BRASIL, 1996).
Para alcançar o ensino desses novos enfoques, tem havido, por parte dos Ministérios e Secretarias de Saúde e Educação, um maior empenho e entrosamento na criação de programas especiais voltados à comunidade na modalidade multiprofissional, enfatizando a intersetorialidade e a transversalidade.
Com isso, o trabalho em saúde torna-se campo da atuação conjunta de diferentes profissões, cada uma delas com paradigmas, experiências pessoais e laborais específicas (SCHERER, 2006).
Instrumentalizar-se para lidar com esse universo diversificado é um desafio que os trabalhadores do Sistema Único de Saúde estão enfrentando e, gradativa e lentamente, vencendo.
A enfermagem caminha nesse sentido sob a influência da história, sobre as mudanças e conquistas da sociedade brasileira, passando por importantes transformações evidenciadas por alguns fatores, tais como:
Voltando aos anos 1970, retomamos o trabalho intensivo da Prof. Dra. Wanda Horta, que escreveu os primeiros estudos sobre o Processo de Enfermagem e sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem.
Desses primeiros trabalhos, pode-se afirmar que a base científica do pensar e do fazer do enfermeiro estava lançada, propiciando à categoria profissional maior visibilidade ao desempenho do seu papel. Nesse momento, então, havia a preocupação de avanços na Enfermagem para acompanhar as mudanças rápidas da tecnologia.
Na continuação dessa explanação, na linha do tempo, chegamos em 1975 com a criação do Conselho Federal de Enfermagem, responsável pelo exercício do enfermeiro, do técnico em enfermagem e do auxiliar de enfermagem no território brasileiro.
A partir da promulgação da Lei do Exercício Profissional (LEP) no 7498/86 e do Decreto no 94406/87, que corresponderia à "carta magna'' para o exercício do enfermeiro, definem-se as competências, os deveres e as obrigações dos profissionais de enfermagem, especificando cada nível de responsabilidade.
Nessa mesma época (1986), foi realizada a 8ª Conferência de Saúde em Brasília, que definia novos enfoques e modelos nas práticas de saúde. A Enfermagem, que já tinha sua prática assegurada pela LEP, vem aperfeiçoando cada vez mais seus estudos na aplicação do exercício da assistência, ensino e pesquisa, e, hoje, o enfermeiro se empenha em discutir o seu papel clínico na Enfermagem.
Como integrante das equipes de saúde da ESF, o enfermeiro é norteado por processos, atribuições específicas e compartilhadas que orientam sua prática nesse cenário. Ele atua de forma cooperativa e complementar com os demais membros das equipes, em uma relação recíproca entre as intervenções técnicas específicas e/ou compartilhadas, pautadas em Políticas de Saúde, Leis do Exercício Profissional (LEP), portarias ministeriais e municipais.
Para fins deste estudo, reduzimos esse leque de atuação à gestão da prática clínica do enfermeiro na ESF, considerando aspectos relevantes de sua interface com o cliente do serviço e as inter-relações com a família, a equipe e a comunidade.