Abordagem individual
Observamos neste caso uma interessante habilidade dos profissionais na organização de suas práticas clínicas diárias, com enfoque também no cuidado individual. Felipe organiza seu tempo entre visitas domiciliares, atividades burocráticas (troca de receitas, por exemplo) e atendimento conjunto com a enfermeira Rita, que por sua vez apropria-se bem de suas responsabilidades clínicas.
No que diz respeito ao atendimento individual de cada um, destacaremos a abordagem de alguns dos problemas das seguintes listas:
Darlene
Sobre o estado emocional de Darlene, o tema depressão puerperal aponta importantes informações sobre o diagnóstico de depressão, inclusive puerperal, o blues puerperal.
No cuidado integral das pessoas, a abordagem dos aspectos psicológicos deve ser uma habilidade dos profissionais especialistas em Saúde da Família. Há uma variação muito grande no espectro de como os problemas emocionais e psicológicos se apresentam. Mais de metade das pessoas que frequentam as unidades de Atenção Primária apresenta algum grau de sofrimento psíquico, sem que no entanto precisem de tratamento específico (DOHERTY; BAIRD, 1986). Tomemos este caso como exemplo: o blues puerperal, que tem grande prevalência, sendo que uma minoria dos casos evolui para depressão. A atitude acolhedora, a escuta atenta e a observação de fatores de risco e o impacto na qualidade de vida das pessoas devem fazer com que os profissionais considerem uma abordagem mais direcionada para doenças psiquiátricas, como foi o caso de Darlene.
Há várias modalidades terapêuticas para os transtornos de humor e ansiedade. A atividade física regular e terapias cognitivas são exemplos de possibilidades não farmacológicas. No caso, Felipe começou a terapia de solução de problemas (terapia cognitiva), que tem uma metodologia própria, tendo sido inclusive já testada para aplicação pelas enfermeiras (MYNORS-WALLIS, 2001; MYNORS-WALLIS et al., 1997). Há inclusive a possibilidade de tratamento farmacológico, o que é discutido no tema de depressão puerperal, que ainda ressalta as particularidades da depressão no puerpério pelas mudanças fisiológicas desse período. Alterações clínicas como anemia e hipotireoidismo são muito comuns no puerpério e, portanto, são diagnósticos diferenciais obrigatórios.
O cuidado de Darlene passa necessariamente pela abordagem da violência. Esse tema já foi abordado no caso de Samuel, mas vale ressaltar aqui dada a importância e a dificuldade de manejo. Há muitos fatores implicados nesse problema, mas a iniciativa para investigação apropriada deve partir dos profissionais da APS mediante a suspeita, bem como a oferta de ajuda. Deve-se procurar entender a dinâmica de funcionamento da família, o que observamos no caso por meio do diálogo da enfermeira e do médico com a paciente. Buscou-se destacar os riscos e apontar a necessidade de Darlene em pedir apoio quando necessário, o qual ela pode encontrar em várias instituições. Nesse sentido, é válido o conhecimento pela equipe de toda a rede social de apoio disponível nas proximidades. Em outros encontros, mais voltados ao cuidado de Darlene, a questão deve ser retomada com perguntas objetivas e diretas sobre a violência (física?, emocional?, verbal?). A escuta ativa, empática e atenta deve ser exercida como instrumento de comunicação nesses encontros, inclusive para o tratamento do quadro depressivo.
Com a abordagem integral e familiar, fica muito mais fácil o manejo do desmame precoce, como apontado no tema aleitamento materno . Aqui, percebe-se um risco de ruptura de vínculo entre a enfermeira Rita e Darlene, que no início do diálogo mostra-se refratária às orientações da enfermeira. Muito cuidado deve ser dado nas orientações, a fim de evitar "sermões", conselhos e julgamentos. Essa atitude é muito comum na prática dos profissionais de saúde e tende a afastar os pacientes do serviço de saúde. Darlene é um exemplo disso, pois fica claro que a enfermeira perdeu contato com ela até a consulta. É importante destacar que, mesmo com a abordagem focada no aleitamento e na saúde mental de Darlene, a equipe não descuidou da anticoncepção. Exemplo do potencial que as Equipes de Saúde da Família têm para o exercício da integralidade.
Danrley
O caso também nos remete à discussão da puericultura. Tópico prioritário na ESF, em especial para menores de dois anos, deve ser, portanto, familiar ao especializando. Muitos profissionais da ESF têm pouca familiaridade com a saúde da criança, como médicos com outras especialidades que não a pediatria e que começam a trabalhar na ESF. O tema Puericultura faz uma discussão conceitual acerca do assunto, sem no entanto entrar em detalhes relacionados à prática da Saúde da Família. Como observado no início do caso, há um conflito de ideias entre a enfermeira e o médico no que diz respeito à rotina para consultas. O Ministério da Saúde apresenta um calendário mínimo para rotina de consultas até dois anos de idade. É muito comum equipes programarem consultas mensais até o primeiro ano e bimestrais no segundo, como sugere a enfermeira Rita. No entanto, tal recomendação pode sobrecarregar a equipe e/ou propiciar muitas faltas, o que pode ser visto como descaso das mães pela equipe. Para o melhor planejamento dessa rotina, é muito importante uma abordagem voltada ao risco, seja de desmame ou de desenvolvimento devido a condições biopsicossociais da família.
Para avaliação do risco, há instrumentos que auxiliam o levantamento de dados, além da percepção de toda a equipe. Um exemplo desses instrumentos pode ser visto na ficha de puericultura presente no material complementar. Observa-se que essa ficha apresenta uma rotina de atendimento mínima, com todas as informações a serem levantadas pelos profissionais, apresentados na forma de check-list. Incluem-se elementos para prevenção de acidentes, fatores relacionados ao desenvolvimento neuropsicomotor e social da criança, além dos aspetos da alimentação e do exame físico por faixa etária. Instrumentos como esse ou um simples quadro com marcos do desenvolvimento auxiliam sobremaneira os profissionais não familiarizados aos cuidados com a saúde da criança, não devendo ser vistos como "protocolos".
Observamos então que Danrley apresenta alto risco, pois, além de estar com uma alteração clínica (icterícia neonatal), há uma situação de crise na sua família e a parada do aleitamento materno exclusivo. A icterícia é um problema comum e merece atenção para seus diagnósticos diferenciais.
A equipe deve, portanto, manter a vigilância no desenvolvimento de Danrley, que merece consultas e visitas domiciliares mais rotineiras. Como sua mãe e seu pai estarão em acompanhamento regular na unidade, é possível que os profissionais o acompanhem de perto.