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Faltam dez minutos para as 13 horas de uma quinta-feira, e os funcionários ansiosamente já se preparam para bater o ponto e iniciar o turno de trabalho vespertino. Enquanto isso, a auxiliar de enfermagem Cleonice, a agente comunitária de saúde Rosalina, a enfermeira Rita e o médico Felipe conversam.
– Ai, ai. Nem parece que teve uma hora de descanso. A gente nem consegue sair daqui. – comenta Cleonice, suspirando.
– Concordo contigo, Cleonice. É como se trabalhássemos nove horas seguidas, e não oito. Não dá tempo de ir ao banco, almoçar em casa, e só nos resta ver os filhos à noite. – comenta Rita, indignada.
– Por falar em filhos, hoje é dia de puericultura, Rita. Que saco ter que medir o perímetro cefálico, o peso e a altura de todas aquelas crianças! Isso quando elas não fazem xixi na gente quando tiramos a fralda. – suspira Rosalina.
– E eu que tenho que repetir a mesma coisa em todas as consultas? Se pudesse, ligava um gravador e deixava repetindo na sala. – sorri Rita.
– Calma, amanhã já é sexta e vocês vão poder aliviar um pouco desse estresse no fim de semana. – comenta Felipe, em tom malicioso. – Além disso, vocês reclamam, reclamam, mas quando chegam os bebês, só falta babarem em cima deles. – complementa, tentando animá-las.
Todos riem.
– Rita, sabe o que eu pensei agora? – pergunta Cleonice, enquanto Rita balança a cabeça, respondendo que não. – Para você não ter que ficar repetindo a mesma coisa, por que não fazemos um grupo de bebês? Poderia se chamar "Bebê a bordo" – propõe Cleonice, sorrindo. – E temos o Dr. Julio e sua ajudante, Ana Cristina. Eles estão loucos para sair do consultório de dentista para fazer grupo. Eles foram cobrados pela gerente para fazer mais atividades preventivas. Eles são ótimos e podem nos ajudar a orientar as mães e as gestantes sobre a importância da amamentação...
– Se quiserem fazer, eu até me proponho a ajudar. Um grupo com certeza vai diminuir nossa carga de trabalho com as crianças. Acho ótima a participação do Dr. Julio e da Ana Cristina. Eu mesmo raramente tenho tempo nas consultas para explicar sobre limpeza da boca e dos dentes. - acrescenta Rita.
– Mas acho importante priorizarmos as crianças que estiverem em maior risco. – comenta Felipe em tom sério, entrando em um tema de discordância entre ele e Rita.
– Não sei não, Felipe. Você sabe que essas suas evidências não funcionam muito bem com essas mulheres daqui. Se a gente deixa um mês sem elas virem, aí mesmo que o programa não funciona, e adeus aleitamento! – responde Rita, em atitude defensiva, relembrando o trabalho que deu conscientizar as mulheres da comunidade sobre a importância da puericultura e do aleitamento materno exclusivo.
– Mas elas não vão ficar sem vir. Por isso vai existir o grupo. E não é qualquer criança que vai poder seguir o calendário alternado. Só as de menor risco, e isso inclui os riscos sociais. E para isso temos que estar atentos ao risco das crianças, usando tabelas de estratificação, por exemplo. – retruca Felipe, em tom moderado, tentando parar a discussão.
– Não sei, não sei. Mesmo assim fico com medo de perder tudo o que fizemos. Elas já estão tão "adestradas" a vir todo mês... – sorri com o comentário preconceituoso para provocar Felipe. – Amanhã a gente discute isso melhor na reunião de equipe. – responde Rita, em tom pensativo.
– Lá vem você com seus preconceitos... – responde Felipe, sendo interrompido no meio da frase por Cleonice, que já sabia que aquela conversa ia longe.
– Fim de round! – diz Cleonice e todos riem. – Hora de bater o ponto. Então não vamos esquecer de montar o grupo e chamar o pessoal da Saúde Bucal para a próxima reunião. Guardem suas energias para a grande luta de amanhã na reunião. – dizendo isso, Cleonice levanta para bater o ponto, mas, antes de sair, pisca para Felipe, já fazendo uma aliança para o debate do dia seguinte.
Com isso, todos levantam para bater o ponto e seguem para suas salas, enquanto Cleonice abre o posto para a entrada dos ACS e dos pacientes.
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