Eventos Agudos na Atenção Básica

Crise Hipertensiva

Créditos

Introdução

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é um fator de risco para doenças cuja etiopatogenia esteja relacionada à arteriosclerose e à trombose, que, mais comumente, manifestam-se através do acometimento cardíaco, cerebral, vascular periférico e renal.

Ela é causadora da cardiopatia hipertensiva e responsável por 25% da etiologia da cardiopatia isquêmica, bem como por 40% dos casos de acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e uma das mais frequentes causas de insuficiência renal crônica. Devido a todas essas consequências, a HAS é considerada uma das causas de maior redução da expectativa e da qualidade de vida (DUNCAN; SCHMIDT; GIULIANI, 2004).

A HAS apresenta alta prevalência ‒ 1 bilhão de pessoas no mundo (CHOBANIAN et al., 2003) e 23,6% da população entre 20 e 69 anos no Brasil (COSTA et al., 2007) ‒ e baixas taxas de controle, sendo considerada um dos fatores de risco modificáveis mais importantes na gênese da doença cardiovascular.

Trata-se de uma condição clínica caracterizada por valores elevados e mantidos da pressão arterial, podendo ser classificada como primária ou secundária. Sendo assim:

 

Seu diagnóstico é clínico e pode ser feito a partir de duas ou mais medidas de pressão arterial, em momentos distintos, que apresentem valores iguais ou superiores a 140 mmHg de pressão arterial sistólica (PAS), 90 mmHg de pressão arterial diastólica (PAD) ou a combinação desses dois valores (CHOBANIAN et al., 2003).

Além da medida ambulatorial da pressão, o diagnóstico também pode ser feito através da medida ambulatorial da pressão arterial por 24 horas (MAPA) ou da medida residencial da pressão arterial (MRPA).

Para um diagnóstico acurado, deve-se estar atento à forma de medição da pressão arterial (PA), ao estado dos aparelhos, ao tamanho do manguito, bem como estar alerta à hipertensão do avental branco e à hipertensão mascarada, razões pelas quais deve-se valorizar a aferição da pressão fora do consultório.

Para saber mais sobre a hipertensão secundária e suas causas, consulte as páginas 44 a 51 da Revista Brasileira de Hipertensão, volume 17, número 1, publicada em 2010. Clique aqui e acesse o material.

Além disso, neste mesmo volume da Revista Brasileira de Hipertensão, você poderá obter mais informações a respeito da correta aferição da PA, da MAPA e da MRPA.

Ações Preventivas

A hipertensão severa é passível de ser prevenida se atuarmos em diversos pontos do tratamento e do cuidado a pessoas hipertensas.

Alguns dos fatores que ajudam a evitar a hipertensão severa encontram-se na base do cuidado a esses indivíduos, como: facilitar o acesso à Atenção Básica, fornecer o melhor tratamento farmacológico e comportamental possível, adaptando-os às características e à realidade do usuário, bem como monitorar a resposta desse usuário e analisar a sua adesão aos tratamentos propostos.

Sendo assim, um acompanhamento estruturado e um tratamento constantemente reavaliado são fundamentais e devem ser providos por parte do cuidador a fim de prevenir crises. Desta forma, a longitudinalidade da atenção deve ser utilizada como ferramenta poderosa na prevenção da hipertensão severa aguda.

Estimular o tratamento não farmacológico auxilia a controlar a hipertensão e, por consequência, a evitar episódios de hipertensão severa. As modificações de estilo de vida para o controle da hipertensão baseiam-se em cinco pontos principais:

  1. redução do peso;
  2. adoção do plano de dieta DASH (dietary approaches to stop hypertension);
  3. redução do sódio na dieta;
  4. realização de atividade física; e
  5. moderação no consumo de álcool.

Conceito e Classificação

Assume-se hipertensão severa na presença de pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 180 mmHg, pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 120 mmHg ou uma combinação de ambas. A avaliação clínica adequada dos indivíduos com hipertensão severa se faz necessária para que se possa identificar a minoria que poderá se beneficiar da rápida redução da pressão arterial, que só é indicada em casos de severidade.

A partir de agora, você verá como podem ser classificados os casos de hipertensão.

 

 

 

 

 

 

Hipertensão severa não controlada e pseudocrises hipertensivas são as situações mais prevalentes nas Unidades Básicas de Saúde.

Avaliação Diagnóstica e Diagnóstico Diferencial

A primeira providência a ser tomada quando um usuário hipertenso procura a Unidade Básica de Saúde é excluir a possibilidade de emergência hipertensiva, devido ao desfecho fatal que esta pode acarretar.

A tabela a seguir lista alguns achados do exame clínico que podem sugerir emergências hipertensivas. Observe:

Sinais e sintomas que podem sugerir emergências hipertensivas

Síndrome coronariana aguda

Dor ou desconforto retroesternal ou precordial, em aperto, irradiado para região cervical ou membro superior esquerdo, associado a náuseas, vômitos ou sudorese fria.

Edema agudo de pulmão

Dispneia, ortopneia, turgência jugular, refluxo hepatojugular, estertores crepitantes bilaterais e edema de membros inferiores.

Dissecção de aorta

Dor torácica ou dorsalgia lancinante, associada à assimetria de pulsos ou à diferença de PA superior a 20 mmHg nos braços.

Hemorragia subaracnoide

Déficit focal (hemiparesia, paralisia facial, disartria ou afasia) associado à crise convulsiva e ao rebaixamento do nível de consciência.

Acidente vascular cerebral isquêmico

Déficit focal em geral sem comprometimento do nível de consciência*.

* Quando houver rebaixamento do nível de consciência, deve-se considerar AVC isquêmico extenso.

Após a exclusão de uma possível emergência hipertensiva, o médico deve avaliar o controle pressórico prévio do usuário, o seu grau de adesão ao tratamento, as comorbidades e o risco cardiovascular, a fim de poder diferenciar uma hipertensão severa não controlada de uma urgência hipertensiva.

Nos casos de pseudocrise hipertensiva, os sintomas costumam ser inespecíficos e inconsistentes, e o exame físico apresenta-se normal. Nestas situações, destaca-se a necessidade de avaliar possíveis fatores causais, como dores, situações estressoras, personalidade ansiosa, entre outras.

É válido destacar que a crença popular costuma considerar a cefaleia como uma manifestação de hipertensão não controlada. Entretanto, há evidências de que os indivíduos com PA elevada têm uma prevalência reduzida de cefaleia em comparação com aqueles que apresentam PA normal (HAGEN et al., 2002).

Abordagem Inicial e atendimento sequencial

A abordagem inicial deve ser direcionada para cada uma das formas clínicas que podem ser encontradas na assistência básica, de forma a garantir o tratamento mais efetivo e menos danoso ao usuário.

 

 

 

 

Para obter mais informações sobre hipertensão arterial sistêmica, clique aqui e acesse os Cadernos de Atenção Básica.

Hipertensão severa não controlada

Em indivíduos com hipertensão severa não controlada e assintomáticos, o objetivo é reduzir a PA ao longo de 3 a 7 dias, preferencialmente com o uso de anti-hipertensivos de ação prolongada. A escolha do anti-hipertensivo deve ser pautada pelas características do usuário e com base em suas comorbidades e, frequentemente, nestes casos, preconiza-se a associação de medicamentos.

Atenção: Ainda existe grande controvérsia sobre a forma correta de manusear a hipertensão severa assintomática ‒ urgência hipertensiva ou hipertensão severa não controlada ‒, parece não haver evidências claras de que a redução rápida dos níveis pressóricos sejam benéficos para o hipertenso.

Na verdade, há a possibilidade de que a redução abrupta da PA ultrapasse o limite da zona de autorregulação, provocando isquemia miocárdica ou cerebral. Este efeito tem sido documentado com o uso de nifedipina sublingual de liberação rápida, portanto, esta medicação é prescrita neste contexto. Desta forma, o alvo deve ser a redução da PA ≤ 160/100 mmHg ao longo de horas ou mesmo dias.

Acomodar o usuário em um lugar silencioso pode ser suficiente para que haja uma redução espontânea de até 20 mmHg na PA, mas lembre-se de tratar os sintomas que possam contribuir para a elevação da PA. Pode-se considerar o aumento de medicamentos ou da dose de anti-hipertensivos sem caráter de urgência.

Pseudocrise hipertensiva

Veja detalhamento clicando nas setas do quadro a seguir:



Cuidados Pós Evento Agudo no Domicilio e na Comunidade

Sendo a HAS uma das doenças mais prevalentes e ainda estando na base causal de complicações que levam a morte, como o infarto, ela é alvo de ações específicas e contínuas pelos serviços de saúde.

Uma das atribuições da equipe de saúde das unidades básicas é atuar na prevenção das complicações da hipertensão, com ações que vão da criação de grupos de hipertensos, até a aferição domiciliar da pressão arterial e o acompanhamento do uso correto da medicação.

Assim devemos ter claro que, tanto para usuários em emergência hipertensiva, urgência hipertensiva ou hipertensão severa não controlada, e sabidamente hipertensos, é fundamental:

  • checar e reforçar a aderência às medicações anti-hipertensivas;
  • reforçar as orientações dietéticas, com enfoque na restrição do uso de sal;
  • considerar o aumento da medicação anti-hipertensiva em uso ou a associação de medicamentos;
  • insistir na importância do acompanhamento ambulatorial para a otimização do tratamento.

Fechamento

Caro aluno.

Neste módulo você estudou o conceito de hipertensão severa aguda, suas formas clínicas, como diagnosticá-las e a conduta mais adequada para cada uma das situações. Além disso, você relembrou alguns conceitos relacionados à hipertensão arterial sistêmica, bem como as medidas preventivas para a hipertensão severa aguda.

Tenha uma boa avaliação!


Diogo Luis Scalco
Fernanda Zanatta
Gabriel Scalco

Referências

BAKRIS, G. L. Management of severe asymptomatic hypertension (hypertensive urgencies). Up to Date, 2012. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2012.

CHOBANIAN, A. V. et al. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7 report. JAMA, v. 289, n. 19, p. 2560-2572, maio 2003.

COSTA, J. S. D. et al. Prevalência de hipertensão arterial em adultos e fatores associados: um estudo de base populacional urbana em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Arq. Bras. Cardiol., v. 88, n. 1, p. 59-65, 2007. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2012.

DUNCAN, B. B.; SCHMIDT, M. I.; GIULIANI, E. R. J. (Ed.) et al. Medicina Ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.

HAGEN, K. et al. Blood pressure and risk of headache: a prospective study of 22.685 adults in Norway. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, v. 72, p. 463-466, 2002. Disponível em: . Acesso em: 05 jun. 2012.

HERBERT, C. J.; VIDT, D. G. Hypertensive Crises. Primary Care: Clinics in Office Practice, v. 35, p. 475-487, 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012.

KESSLER, C. S.; JOUDEH, Y. Evaluation and treatment of severe asymptomatic hypertension. American Family Physicians, v. 81, n. 4, p. 470-476, fev. 2010. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2012.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Sociedade Brasileira de Hipertensão. Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq. Bras. Cardiol., v. 95, n. 1, supl. 1, p. 1-51, 2010. Disponível em: . Acesso em: 8 ago. 2012.

Autores

Diogo Luis Scalco

Preceptor do programa de residência médica em Medicina de Família e Comunidade da PMF-UFSC. Mestrado em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente é médico da Prefeitura Municipal de Florianópolis.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8976105695888541

 

Fernanda Zanatta

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Atualmente é médica residente em Medicina de Família e Comunidade (HU-UFSC).

 

Gabriel Scalco

Possui graduação em medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina. Médico Internista e Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, São José, Santa Catarina.