Projeto de Saúde no Território

Conceitos, palavras-chave e pilares do Projeto de Saúde no Território

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Os pilares do Projeto de Saúde no Território

Nas políticas de saúde, a participação social foi legalmente instituída pela Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei n. 8142 de 1990. Concebida na perspectiva de fomentar o controle social sobre as ações do Estado, a democratização da gestão da saúde traduziu-se na viabilização de espaços formais em que população, trabalhadores, prestadores de serviços e gestores discutiam coletivamente a condução da política de saúde em cada esfera do governo. Tais espaços foram organizados através dos Conselhos e das Conferências de Saúde, instâncias colegiadas já estudadas ao longo deste curso.

Desta forma, a fim de compreendermos melhor o sentido de participação e seus reflexos no controle social da saúde, utilizaremos a categorização proposta por Antônio Ivo de Carvalho (1995), diferenciando-a em: participação comunitária, participação popular e participação social.

Participação Comunitária

Contexto
A ideia de participação comunitária surgiu no contexto norte-americano, no início do século XX, a fim de responder aos problemas sanitários que emergiam da relação entre doença e pobreza. Vinculada à ascensão da medicina comunitária, essa concepção partia da constatação de que os programas de saúde existentes na época eram insuficientes para atender à complexidade dos problemas que se originavam nas camadas mais pobres da população (CARVALHO, 1995).
Movimento
Para o autor, a medicina comunitária se apresentava como um movimento que tensionava uma mudança de paradigma na compreensão do processo saúde-doença e partia do entendimento de que as ações em saúde pública dependiam da população para sua implementação e eficácia. Ou seja, considerava-se que, sem a colaboração e compreensão das pessoas, as intervenções prescritas tinham pouco ou nenhum valor.
Proposta
A participação comunitária em saúde inaugura-se, dessa forma, como uma proposta de complementaridade às ações do Estado. Isso significa dizer que seu papel principal era cooperar com as políticas institucionais e servir como instrumento de efetivação das políticas de saúde implantadas pelo Estado. Era necessário recrutar os membros de um determinado grupo social – uma comunidade – no intuito de superar as doenças e a pobreza, assim como ampliar a cobertura dos serviços de saúde. Tal grupo social, por compartilhar das mesmas condições materiais de existência, buscaria os meios necessários para resolver seus problemas de saúde (SEVERO, 2008).

Paralelamente, desenvolveram-se movimentos à sombra da proposta oficial da participação comunitária com o intuito de combater o Estado e lutar por inclusão social, econômica e política, caracterizando a participação popular. Nessa perspectiva de mobilização, compreendia-se que o enfrentamento de um meio hostil e desfavorável não seria função da comunidade, mas sim do povo. Esse povo, composto por indivíduos excluídos dos contextos socioeconômicos e políticos, precisaria lutar contra um Estado cuja lógica seria a de favorecer os já favorecidos (CARVALHO, 1995).

Participação Popular

Ideia
Para a participação popular, a categoria comunidade é substituída pela categoria povo, entendido aqui como uma parcela da população que é submissa ou excluída do acesso a bens e serviços. O locus de participação deixa, portanto, de ser os serviços de saúde e alcança o conjunto da sociedade e do Estado, emergindo a ideia de democratização da saúde como reivindicação pelo acesso universal e equitativo aos bens e serviços e também pela tomada de decisão (CARVALHO, 1995).
Caráter político
Assim, a organização popular assume um caráter político no sentido de resistir à exclusão social e garantir a participação do povo não apenas nas ações, mas nas decisões que direcionam as políticas públicas, prevendo o atendimento às suas necessidades e a ampliação de acesso aos bens e serviços em saúde. Diversas experiências surgem neste sentido, com propostas e projetos diversos, mas alinhados à ideia de participação popular como caminho para a transformação política do sistema de saúde e das práticas sanitárias.
Histórico
No Brasil, a participação em saúde, especialmente durante o período autoritário da ditadura militar, foi expressa através da participação popular e com a atuação de movimentos oposicionistas que interpretavam o Estado como inimigo. Com a redemocratização do país, a presença de outros atores no cenário político trouxe à tona um novo referencial de compreensão da relação Estado-Sociedade: o processo de participação deixou de ser uma arena de atuação exclusiva dos segmentos sociais excluídos, passando a englobar a sociedade como um todo, cuja diversidade de interesses deveria ser atendida pelo aparelho estatal (CARVALHO, 1995).

Desse modo, ocorreu um tensionamento social para que as ações de cunho oposicionista se transformassem em movimentos que visassem à inserção da sociedade civil nas decisões do Estado, tendo como base a ampliação do conceito de cidadania e do próprio papel do Estado. A ideia seria incluir os vários segmentos sociais no interior do aparelho estatal, de modo que sua presença proporcionasse visibilidade e legitimidade aos interesses e projetos do conjunto social.

A participação social, nesse sentido, suscita à noção de controle social. É nesse referencial que estão baseados os princípios que postularam a criação de instâncias colegiadas, compostas por representantes de diversos segmentos sociais que visam a assegurar que as políticas públicas sejam direcionadas aos interesses da sociedade e não apenas aos setores privilegiados (CARVALHO, 1995).

É possível, então, perceber a partir desta breve retomada dos diferentes sentidos, que a participação e o controle social extrapolam os limites do seu exercício formal nos fóruns de representação social. Eles ocorrem quando a sociedade civil se estrutura em busca do atendimento às suas necessidades e direitos, no exercício da cidadania e da participação política nas ações do Estado. Essa participação pode acontecer por meio de instâncias formais de representação, como os Conselhos de Saúde, mas também pela organização de entidades comunitárias, ou, ainda, através dos movimentos sociais.

No campo da saúde, a participação desejada é aquela capaz de transcender os moldes da participação da comunidade para alcançar uma participação social cidadã que seja valorizada e incentivada no cotidiano dos serviços de saúde.

Saiba mais:

Para aprofundar a leitura sobre risco, recomendamos:

Ayres, J. R. de C. M. Epidemiologia, promoção da saúde e o paradoxo do risco. Ver. Bras. epidemiol. [on line] 2002, v.5, suppl. 1, PP. 28-42.

Pra conhecer mais sobre vulnerabilidade, leia: SANCHEZ, A. I. M. e BORTOLOZZI, M. R. Pode o conceito de vulnerabilidade apoiar a construção do conhecimento em Saúde Coletiva? Ciência e Saúde Coletiva, v.12, n. 2, PP. 319-324, 2007

Verdi, Freitas e Souza

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