Conceito e epidemiologia da multimorbidade

O estabelecimento de um conceito de multimorbidade tem relevância tanto no campo científico, pois é o que permite, por exemplo, que se definam critérios de inclusão em um ensaio clínico que busque avaliar o impacto de uma determinada intervenção em uma amostra de pessoas com multimorbidade, como no campo da clínica, pois é a partir de um determinado critério que os profissionais de saúde podem decidir se um determinado paciente deverá receber ou não uma abordagem voltada para o cuidado de pessoas com multimorbidade.

Não há na literatura científica um critério único, consensual, para definir multimorbidade. Há, entretanto, uma maioria que define multimorbidade a partir da contagem de doenças crônicas, considerando que qualquer indivíduo com duas ou mais doenças crônicas concomitantes é um indivíduo com multimorbidade. Porém, há quem defenda que a contagem de doenças não deveria ser a principal definidora da multimorbidade, mas sim o comprometimento funcional. Há também quem afirme que é pela contagem de medicamentos em uso, e não pela contagem de doenças, que a multimorbidade deveria ser definida.

Neste curso opta-se por adotar o critério de duas ou mais doenças crônicas como definidor de multimorbidade. Essa opção se dá em função da facilidade de se utilizar essa definição na prática clínica e de sua elevada sensibilidade, permitindo que ações voltadas ao cuidado de pessoas com multimorbidade possam ser oferecidas a um maior número de pacientes.

A definição também tem implicação nos estudos que têm como objetivo verificar a prevalência de multimorbidade na população. Essa variabilidade também ocorre em função de diferenças na metodologia dos estudos, por exemplo, se os diagnósticos são referidos ou se são resultado de exames clínicos, se são baseados apenas em análises de prontuários ou no relato de profissionais de saúde, entre outros.

A Figura 1 mostra a prevalência de multimorbidade em serviços de Atenção Básica à Saúde, de acordo com a idade, em diferentes estudos.

Como a prevalência de diversas doenças crônicas aumenta com a idade, a prevalência da multimorbidade também vai apresentar esse comportamento. Entretanto, a multimorbidade não deve ser vista necessariamente como um fenômeno do idoso. Mais de metade das pessoas com um quadro de multimorbidade tem menos de 65 anos de idade. Além disso, se considerarmos o critério de duas ou mais doenças crônicas como definidor de multimorbidade, cerca de metade das pessoas com alguma doença crônica se enquadra nos critérios de multimorbidade.