O título escolhido para este trabalho pode ser uma das frases mais exaustivamente usadas quando se trata do assunto infância, mas, por mais que já se tenha repetido, ela não perde sua força. Isso pelo simples motivo de que criança precisa brincar. E precisa fazê-lo não só para ser feliz, mas também para aprender. Para os profissionais da UBS Vila Espanhola, “é nos jogos ou brincando que a criança aprende a conviver e conhecer, e a se conhecer, saber quais são seus direitos e quais os do próximo, quais são seus deveres” (BRASIL, 2008b).
Nesse sentido, a UBS Vila Espanhola idealizou o projeto de criação de uma Brinquedoteca em sua unidade de saúde, procurando desenvolver hábitos de responsabilidade e trabalho, valorizar os brinquedos e as atividades lúdicas e criativas, criar um espaço de convivência que propicie interações espontâneas e desprovidas de preconceitos. Foi aberta, há dez anos, a Brinquedoteca da Vila Espanhola. Inicialmente em um barracão da prefeitura que não vinha sendo usado, atrás da própria unidade.
Além disso, há a preocupação das profissionais de estarem próximas às crianças, para que possam pontualmente “ensinar noções de higiene, comportamento e educação, estimulando a convivência com as outras crianças, a convivência em grupo, a respeitar os limites dos outros e o próprio”. Uma ACS se comove ao falar sobre uma das meninas que atende na Brinquedoteca: “Eu me emociono muito com essa menina, a mãe dela nos procurou, estava difícil lidar com a criança, que na época tinha de 4 para 5 anos. Era muito desobediente, só ficava na rua, era respondona, falava muito palavrão; e então, devagarzinho, íamos fazendo as visitas na casa dela, no início ela não queria me ver, mas toda semana eu ia lá e com jeitinho e com muita paciência fui ganhando a sua confiança. Ela deixou de ser arredia, e conseguimos trazê-la para cá. A partir do momento em que passou a conviver com as outras crianças, principalmente com as outras meninas, brincando, ela foi deixando de falar palavrão, deixando de ser agressiva. Ela hoje já tem 6 anos e está um encanto só!” Outra ACS cita o caso de dois irmãos frequentadores da Brinquedoteca: um deles expansivo, muito ativo, brinca (e briga!), o outro, extremamente calado, introspectivo, quase não se relacionando com as demais crianças. “Quando constatamos esse problema, passamos a intensificar nossas visitas domiciliares à casa deles e identificamos que essa família estava bem desestruturada, com os pais apresentando sérios problemas e, por alguma razão, aparentemente, só um dos irmãos estava desenvolvendo dificuldades de convívio. Levamos então a questão para o restante da equipe”. Esse é um dos benefícios em ter as ACSs envolvidas nas atividades da Brinquedoteca, pois, além de lidarem com as crianças, elas têm a oportunidade de chegar às famílias.
A partir do trabalho das ACSs, toda a equipe se envolveu e, em conjunto, desenvolveu um projeto para interceder positivamente junto àquela família: a médica, a enfermeira, as técnicas de enfermagem e as ACSs. Todos se envolveram, e um dos reflexos é que, hoje, essa criança, que ainda está na Brinquedoteca, já se relaciona um pouco mais com as outras. “E é muito gratificante ver um retorno do nosso trabalho.”
“Muitas dessas crianças não têm nenhuma regra em casa, podem tudo na hora que querem, do jeito que querem, mas, ao chegar aqui na Brinquedoteca, nós temos regras”, coloca. “E com tantas crianças assim, é preciso que todas sigam e isso faz com que elas tenham responsabilidades sobre suas coisas, sobre seus brinquedos”. “Com os resultados alcançados com essa parceria entre a ESF e comunidade, é possível perceber ao longo desses dez anos, em particular nos últimos dois, uma mudança comportamental significativa entre as crianças da comunidade”. “Não podemos computar esse avanço em números, mas podemos observar o empenho das nossas primeiras crianças em dar melhores condições às novas crianças que hoje estão sob os cuidados da Brinquedoteca. Observou-se que a ocorrência de problemas graves e os índices de violência foram sendo reduzidos ao longo do percurso do projeto.
Anders, Boehs, Souza