Denizi Oliveira Reis, Eliane Cardoso de Araújo e Luiz Carlos de Oliveira Cecílio
Apresentação
O Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, também chamada de "Lei Orgânica da Saúde", é a tradução prática do princípio constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado e estabelece, no seu artigo 7o, que "as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
As diretrizes do SUS são, portanto, o conjunto de recomendações técnicas e organizacionais voltadas para problemas específicos, produzidas pelo Ministério da Saúde, com o concurso de especialistas de reconhecido saber na área de atuação, de abrangência nacional, e que funcionam como orientadores da configuração geral do sistema em todo o território nacional, respeitadas as especificidades de cada unidade federativa e de cada município. Entre as principais diretrizes, podemos lembrar:
As diretrizes apontadas como exemplo, apesar de parecerem uma coisa técnica demais, acabam tendo bastante influência no modo como os sistemas municipais de saúde são organizados, até mesmo porque, de uma maneira geral, elas são acompanhadas de recursos financeiros para a sua execução.
O SUS é a expressão mais acabada do esforço do nosso país de garantir o acesso universal de seus cidadãos aos cuidados em saúde que necessitam para ter uma vida mais longa, produtiva e feliz. Embora saibamos que os bons indicadores de saúde dependem de um conjunto de políticas econômicas e sociais mais amplas (emprego, moradia, saneamento, boa alimentação, educação, segurança etc.), é inquestionável a importância de uma política de saúde que, para além da universalidade, garanta a equidade, a integralidade e a qualidade do cuidado em saúde prestado aos seus cidadãos. Todos os investimentos e esforços visando à implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) do nosso país – inclusive este curso do qual você está participando – só podem ser entendidos no contexto da consolidação do SUS e da extensão dos seus benefícios para milhões de brasileiros.
O presente texto está organizado em três partes. Na primeira, convidamos você a percorrer uma linha do tempo que remonta, de forma sintética e inacabada, momentos da história que criaram as bases para a construção do SUS. Queremos, com isso, compartilhar com você uma ideia do quanto o SUS é fruto de uma construção histórica de décadas, com seus avanços e recuos, mas que, afinal, resultou no atual sistema de saúde brasileiro. Finalizam essa parte alguns dados que dão uma dimensão do SUS e sua importância como política pública. Na segunda parte, apontamos algumas das dificuldades e impasses vividos pelo SUS, com destaque para aquelas que, de modo mais ou menos direto, impactam no seu cotidiano como membro de uma equipe de Saúde da Família. Por fim, na terceira parte, apontamos os principais componentes do Pacto pela Vida, tal como formulado pelo Ministério da Saúde, por meio de um intenso diálogo com setores organizados da sociedade brasileira, buscando um reordenamento do SUS a partir da retomada dos princípios mais fundamentais da Reforma Sanitária Brasileira.
"Reforma Sanitária" é a designação que se dá à plataforma política defendida pelo "Movimento Sanitário Brasileiro", que representou uma ampla articulação de atores sociais, incluindo membros dos departamentos de medicina preventiva de várias universidades, entidades como o Centro Brasileiro de Estudos (CEBES), fundado em 1978, movimentos sociais de luta por melhores condições de saúde, autores e pesquisadores, militantes do movimento pela redemocratização do país nos anos 1970 e 1980 e parlamentares que faziam a crítica às políticas de saúde existentes no Brasil. A "Reforma Sanitária" incluía em sua pauta uma nova organização do sistema de saúde no país – com várias características que o SUS afinal adotou –, em particular uma concepção ampliada dos determinantes sociais do processo saúde-doença e a criação de um sistema público de assistência à saúde, gratuito com garantia de acesso universal do cuidado para todos os brasileiros.
Este texto foi elaborado por três professores do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo, médicos de formação com especialização em Saúde Pública e atuação de longa data no planejamento, na organização e na gestão de serviços públicos de saúde. Trata-se de docentes em disciplinas de graduação, pós-graduação e extensão, sempre na área de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, militantes da Reforma Sanitária Brasileira, cuja principal bandeira tem sido a construção do SUS no nosso país. Nos últimos anos têm estado intensamente engajados em múltiplas atividades voltadas para a formação de profissionais de saúde comprometidos com a defesa do SUS como política pública e com a produção do cuidado por equipes multiprofissionais com práticas orientadas pelos princípios da integralidade, qualidade e defesa intransigente da vida em todas as suas dimensões.