As discussões apontadas anteriormente contribuem para construir uma visão atualmente defendida por uma parte da sociedade onde todas as pessoas que usam drogas são criminosas, descontroladas, perigosas e que precisam ser internadas involuntária ou compulsoriamente. Não raro, qualquer ponto de vista contrário a esta compreensão - independentemente dos argumentos utilizados -, ou que incorpore também outros elementos nesta discussão (outras formas de cuidado, garantia de direitos humanos fundamentais para este grupo populacional - moradia, educação, renda, lazer) são desconsideradas sob justificativas emocionais e/ou carentes de base concreta.
Uma reflexão geral é possível de ocorrer nesta situação. Por um lado, há uma clara fusão de dois elementos: pessoa que consome droga (ilícita) e substância ilícita. Como consequência, desumaniza-se a pessoa que usa droga ilícita, tornando possível assumir um mandato integral para "tomar conta" da situação em nome destes.

Reflexão
Dependendo da substância utilizada, a disposição do serviço e da equipe é diferenciada? Concretamente falando, uma pessoa alcoolista é mais bem tratada do que uma pessoa que usa crack? Isto se dá mais por conta das características pessoais apresentadas por cada um ou o fato de uma pessoa utilizar uma droga lícita e a outra, ilícita, também influencia na forma como estas duas pessoas que buscaram auxílio são atendidas?
As representações sociais dos profissionais que compõem a equipe e que formam a identidade institucional dos serviços, podem se constituir como barreira de acesso à utilização dos serviços? É possível que os serviços “escolham” seus usuários a partir das características da equipe que compõe um determinado ponto de atenção da RAPS em detrimento da “cobertura universal”? De que maneira estas ações podem contribuir para a produção de estigma, em vez de confrontá-lo?
Todas as questões acima mencionadas, e tantas outras, fazem parte do cotidiano dos serviços e da atuação dos profissionais que compõem a equipe. Trazidas em forma de provocação podem ser discutidas a partir da realidade dos serviços onde se atua, no sentido de contribuir ao aperfeiçoamento da função e do perfil do serviço onde se trabalha. É importante avaliar de forma contínua a atitude do serviço frente sua responsabilidade ética e técnica de prover serviços de saúde às pessoas que usam drogas.