Podemos entender o território não apenas como a área de abrangência de determinada unidade de saúde, mas como os percursos significativos percorridos e apropriados pelos usuários. Acompanhar os usuários nos territórios, assim, é também acompanhá-los em seus percursos singulares (NICÁCIO, 2003), onde eles produzem singularmente seus próprios mundos em permanentes trocas e compartilhamentos com outras pessoas. Como vimos no caso relatado anteriormente, quando o usuário foi apoiado ou acompanhado em seu território e, por consequência, foi diversificando suas “cenas”, foi ampliando seu território.
Ao discutir a questão da reabilitação psicossocial, Saraceno (1999) coloca a importância de diferenciar o simples estar do habitar, principalmente quando discute a questão do morar para as pessoas com longa história de institucionalização.
A institucionalização veta ao indivíduo o domínio do espaço e do tempo, ficando o mesmo assujeitado aos mecanismos que respondem à engrenagem de funcionamento institucional: horas demarcadas para as ações do cotidiano, como a das refeições e da higiene corporal, da medicação, espaços demarcados para se ficar (ora na enfermaria, ora no pátio, ora na cela forte, ora nas faixas de contenção), nenhum domínio nem singularização sobre as ações, nenhuma voz ou vez, nenhuma expressão dos desejos e necessidades, nenhum projeto de vida.
Estar num lugar não significa necessariamente se apropriar dele, produzir significado nos elementos que o compõem. E este é um desafio para a rede de serviços, para as residências terapêuticas, para a inserção dos usuários internados há longo tempo nos novos territórios de vida.
E esse desafio não está apenas presente nas residências terapêuticas, que são casas voltadas às pessoas que estão morando em hospitais psiquiátricos, mas também estão presentes nas Unidades de Acolhimento voltadas às pessoas que fazem uso de drogas: a apropriação coletiva e pactuada da casa, dos tempos e espaços, e o sentido de porto acolhedor para a construção de novos projetos de vida não está dado de antemão, mas depende do protagonismo e do diálogo dos trabalhadores e dos usuários da casa.
O mesmo se pode pensar com relação ao território: a transformação dos usuários depende de outras formas de apropriação dos espaços, do desenvolvimento de novos papeis, da ocupação de novos lugares onde se possa exercitar a vida.
Assim como os agentes comunitários de saúde o fazem, em sua dupla condição de moradores da região e agentes de produção de saúde, as equipes dos serviços territoriais (CAPS, Unidade de Acolhimento, redutores de danos, equipes da assistência social) podem conhecer as minúcias de seus territórios de abrangência, e dos territórios dos usuários, cujos percursos ultrapassam aqueles das áreas de abrangência dos serviços. O conhecimento se dá através da presença e do desenvolvimento de projetos e ações concretas; ou seja, é diferente de um conhecimento formal e abstrato, que pode se dar através de números, dados epidemiológicos, pesquisas as mais diversas.