A importância de pensar na questão da autonomia está também no fato de que o grande desafio do trabalho com a questão das drogas está para além da mudança de comportamento, da abstinência, da eliminação de sintomas; está na forma como cada pessoa pode enriquecer sua existência, ampliando suas relações sociais e modificando suas redes de dependências.
Dessa forma, as pessoas que são consideradas dependentes de drogas podem ressignificar suas relações com as drogas, enriquecendo suas redes de dependências e sua forma de estar no mundo. Ou seja, não é necessário eliminar as drogas do mundo para produzir vida, mas modificar a relação com elas, por meio do enriquecimento do arco de relações e de experiências sociais, da produção de autonomia e da ressignificação dos projetos de vida.
Colocar a droga como o único problema da existência, como se ela fosse um monstro a dominar as pessoas, significa simplificar o problema e caminhar por um percurso que pode manter o usuário dos serviços sempre subalterno e submisso ao que os outros desejam para ele. Porque o grande problema não é exatamente a droga, mas a falta de valor, de lugar perante o grupo social, a ausência de ricas experiências de vida. Porque eliminar o uso da droga não levará automaticamente ao enriquecimento da existência da pessoa, a um lugar socialmente valorizado, onde ela tenha voz e vez.
Mesmo considerando que são múltiplos os fatores que determinam essa exclusão e invalidação, inclusive os de ordem macro-econômica, que produzem formas de sociabilidade e que estão sob a influência de outras instâncias sociais, muitas são as possibilidades de transformação que as equipes dos serviços podem potencializar, já que a elas é delegado pela organização social o papel de cuidar e controlar daqueles que desviam dos padrões de normalidade.