“O trabalho no CAPSad Pernambués pode ser descrito como envolvente, implicando e vinculando os profissionais ao serviço” (...) “O que pode ser descrito como envolvente? A organização dos processos de trabalho e configuração da rede interna; a participação nos processos decisórios e a valorização das contribuições individuais ao projeto institucional, fazendo com que todos se identifiquem com o projeto e percebam-se como seus co-autores.” (...) “No CAPSad Pernambués observou-se ser tudo muito discutido, até que o consenso fosse atingido entre os integrantes da equipe – seja em espaços informais ou em espaços de reuniões de trabalho. Esta pode ser apontada como prática que favorece e ao mesmo tempo fortalece o trabalho interdisciplinar. A consequência era a construção de um discurso compartilhado entre os atores deste serviço com importante repercussão sobre a organização das práticas de cuidado. Observou-se um fluxo natural de discussão na instituição. Por exemplo, se os coordenadores de uma oficina terapêutica planejassem uma intervenção específica – tal como produzir peças para exposição em uma intervenção comunitária –, esta proposta era levada para discussão na esfera da coordenação específica e, em seguida, para a esfera da reunião da equipe técnica. Com este fluxo de discussão, toda a equipe de certa forma participava da discussão das atividades desenvolvidas no e pelo serviço e delas tomavam conhecimento. Esta circunstância, por sua vez, facilitava a identificação das parcerias possíveis para a conformação da rede internas do serviço tendo em vista a concepção de novas propostas de intervenção. (...) “Outra expressão do trabalho interdisciplinar era a complementaridade de intervenções da equipe, propiciada, por sua vez, pela prática de discussão de casos com a participação de toda a equipe. Assim, por exemplo, o profissional da recepção podia observar o estado em que o usuário chegou ao serviço ou a sua participação nas atividades propostas e compartilhar destas suas impressões com os respectivos técnicos de referência. Estas impressões dos profissionais de nível médio eram valorizadas e levadas em consideração pela equipe. A complementaridade se manifestava, ainda, na possibilidade do desenvolvimento de ações conjuntas, muitas vezes constituídas por dupla de profissionais (também residentes e estagiários) de formação ocupacional distinta.
A busca de apoio entre os profissionais da equipe para o planejamento e realização de atividades (oficinas e grupos, acolhimento, atenção a usuários em crise, elaboração de relatórios etc) apresentava-se certamente como uma das expressões mais fortes do trabalho interdisciplinar no contexto do CAPSad Pernambués. Este movimento em muitos momentos decorria da interação entre profissionais na sala dos técnicos, de forma muitas vezes espontânea, mas que implicava em um reconhecimento de parceria e cumplicidade entre os integrantes da equipe. (...) “A articulação dos profissionais em uma rede interna para o desenvolvimento do trabalho interdisciplinar no contexto do CAPSad revelou-se de grande relevância frente aos desafios da clínica de atenção aos usuários de álcool e outras drogas e suas famílias. As associações e parcerias entre integrantes da equipe permitiam contornar sentimentos de solidão, frustração e angústia que o trabalho poderia suscitar. As relações de cumplicidade e solidariedade, por sua vez, encorajavam a proposição de intervenções novas. Esta parece ser uma condição importante para a produção de novas tecnologias de cuidado para a atenção a usuários de álcool e outras drogas no contexto do serviço estudado” (... ) “As atribuições de cada integrante da equipe multiprofissional encontravam-se definidas por sua formação profissional (psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional etc.). (...) “As especificidades de atuação conviviam, por outro lado, pela contribuição ao fazer do outro, o que envolvia, por sua vez, o domínio do que seja este fazer do outro e do que pode ser assimilado, com respeito a cada campo disciplinar, ao fazer coletivo”. (...) “As reuniões de trabalho e as discussões de casos despontam como condição propiciadora da interdisciplinaridade no contexto do CAPSad”. (...) “Outro espaço oportunizado no serviço para a discussão de caso correspondia ao momento reservado ao final das atividades grupais (oficinas, grupos, assembleias) coordenadas por mais de um profissional ou em colaboração com residentes e estagiários com o propósito de sua avaliação. Discutia-se, nesta direção, se a condução da atividade havia ocorrido em conformidade com o planejado, atendendo aos seus objetivos, os fatores que podiam ter oferecido dificuldade para o alcance destes objetivos, que aspectos poderiam ser aprofundados em encontro subsequente e sobre a participação dos usuários (nível de participação; adesão à proposta da atividade naquele dia; conteúdos manifestos e relação destes com sua história de vida, necessidades e demandas; questões observadas que precisavam ser sinalizadas aos respectivos técnicos de referência para aprofundamento em atendimento individual, apontando para outro momento de discussão do caso). O conteúdo relativo às drogas e seus efeitos pouco se fez presente nos momentos de discussão de casos observados pela pesquisa. O foco recaia sobre a história de vida dos usuários/familiares, suas necessidades e demandas de atenção e sobre as intervenções realizadas ou propostas a partir do serviço. Nesta direção, a discussão de caso figurava como condição que favorecia tanto a interdisciplinaridade quanto a integralidade das práticas de cuidado no contexto do serviço (ALVES, 2009. p. 163-165).