Bioética

Cilene Rennó Junqueira


Terceiro desafio ético: o esclarecimento

Para que uma pessoa possa consentir (aceitar) um tratamento, é preciso que ela esteja suficientemente informada. Isso significa que o profissional tem um papel muito importante no esclarecimento das pessoas. Para que esse esclarecimento ocorra, contudo, não basta fornecer ao paciente uma série de informações na primeira consulta. É preciso que essas informações a respeito da saúde do paciente tenham sido compreendidas e que sejam renovadas no decorrer do tratamento.

Muitas vezes, na consulta inicial, o paciente está com medo ou ansioso em razão do desconhecido (não sabe como o profissional vai lidar com seu problema de saúde) ou por estar com dor. Esses fatores (medo, ansiedade e dor) limitam a autonomia do paciente. Se essa pessoa (paciente) estiver ansiosa, com medo ou com dor, ela estará vulnerável (terá limitação de sua autonomia) e, por isso, é muito importante que o profissional esteja preparado para lidar com essa situação. Nesses momentos, é fundamental que o profissional explique ainda melhor para o paciente no que consistirá seu tratamento e retome essas informações nas consultas futuras.

Outro fator fundamental é que, para haver esse esclarecimento, é preciso que as informações fornecidas sejam compreendidas. Nem tudo o que o profissional vai dizer para o paciente será entendido em um primeiro momento. Por isso, é preciso se certificar de que o paciente entendeu no que consistirá o tratamento. Para tanto, é necessário mais do que perguntar ao paciente "Você entendeu?". É primordial conversar com o paciente e perguntar para ele "O que você entendeu a respeito de seu tratamento, ou de seu problema de saúde?".

Mais um elemento que deve ser considerado pelo profissional para garantir o esclarecimento é que o modelo de comunicação a ser adotado pelo profissional seja bidirecional. Mas o que isso significa? Devemos nos preparar para ouvir o paciente. Os profissionais estão acostumados a informar os pacientes. Em uma consulta, o que se percebe muitas vezes é que o profissional fala mais do que o paciente.

Os psicólogos estão acostumados a ouvir seus pacientes, mas, para os outros profissionais que tratam da saúde das pessoas, essa não é a conduta mais comum. O que se verifica, na maioria das vezes, é que o profissional limita a coleta das informações à anamnese do paciente, ou seja, as informações colhidas são aquelas que dizem respeito à saúde do paciente, o que muitas vezes é feito por meio do preenchimento de um formulário pronto no qual se assinala com um X a resposta fornecida pelo paciente.

Por exemplo: "O senhor é diabético?" ( ) Sim ( ) Não

Há pouco (ou nenhum) espaço para o paciente falar sobre a sua doença, como a percebe e como ela está interferindo em sua vida. Esse espaço para o paciente falar é fundamental quando pretendemos percebê-lo em sua totalidade (quando queremos respeitar todas as dimensões da pessoa: física, psíquica, social e espiritual). Quando o profissional limita sua comunicação com o paciente ao momento da anamnese, está restringindo o tratamento à dimensão física dele. A comunicação é bidirecional quando o profissional fala e ouve seu paciente.

Quando conseguimos ouvir o paciente, informamos a respeito de sua saúde, percebemos se ele compreendeu o que foi explicado e renovamos essas informações ao longo do tratamento, temos a possibilidade de pedir seu consentimento para o tratamento. Assim, o consentimento se estabelece como um processo, e não fica limitado ao preenchimento de um formulário. O documento assinado pelo paciente, no qual ele autoriza o tratamento, é importante, mas de nada adianta se ele não compreendeu em que consistirá seu tratamento. Outro aspecto a ser considerado quando se fala em consentimento é a necessidade de o paciente ter liberdade para decidir, mas essa liberdade sempre deverá estar associada à sua responsabilidade diante da decisão que for tomada. O profissional tem o dever de esclarecer, mas o paciente, uma vez esclarecido, tem o direito de decidir o que melhor lhe convém. Deve-se, pois, respeitar sua autonomia.

Quando o consentimento é obtido seguindo esses critérios, estabelecer-se-á a desejada aliança terapêutica entre profissional e paciente.

Especialização em Saúde da Família
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