Metodologia científica II

Fabio Xerfan Nahas, Maria Elisabete Salvador Graziosi e Richard Liebano

Interpretação de artigos científicos

Resumindo, uma leitura percorre determinadas fases de amadurecimento, que são concomitantes às várias etapas do desenvolvimento da pesquisa. Vamos conhecer essas etapas?

O método para leitura científica também contempla a etapa pela qual é possível delimitar as informações relevantes:

  • Leitura seletiva: selecionar o que realmente interessa. Lembre-se de identificar o objetivo do estudo e os Descritores da Saúde relacionados ao tema, permitindo busca precisa do assunto. Assim, é necessário priorizar as pesquisas que trazem respostas às perguntas1;
  • Leitura crítica ou reflexiva: refletir sobre a visão global do assunto, análise e síntese das ideias principais. É necessário analisar, comparar, diferenciar, sintetizar e julgar, com a finalidade de formar a sua própria ideia do assunto1;
  • Leitura interpretativa: compreender o que o autor do estudo obteve como resultado e observar as dados encontrados para a solução dos problemas formulados no estudo1.

Ressalta-se que existem diferentes tipos de estudos científicos, divididos por categoria. Nessa perspectiva, os estudos clínicos apresentam quatro diretrizes principais: questões sobre diagnóstico, tratamento prognóstico ou prevenção. Para responder a cada uma dessas questões, existem desenhos de estudos específicos. Para questões sobre diagnóstico, o estudo mais adequado é o de acurácia; para questões sobre tratamento, a opção é pelo ensaio clínico controlado randomizado; para prognóstico, os estudos coortes são os mais adequados; e para prevenção, a recomendação é por ensaios clínicos controlados randomizados.

Conheça os principais tipos de estudos clínicos:

  • 1. Relatos de caso
  • 2. Série de casos
  • 3. Estudo de caso-controle
  • 4. Estudo coorte
  • 5. Ensaio clínico controlado randomizado

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Descrições detalhadas de um ou alguns casos clínicos, apresentando um evento clínico raro ou uma nova intervenção. Quando bem detalhados, colaboram para elucidar os mecanismos de doenças – mas os resultados se aplicam somente àquele paciente específico2.

Estudo com número maior de pacientes, em geral mais de dez, podendo ser retrospectivo ou prospectivo. Colabora com o delineamento do caso clínico, mas tem limitações importantes. Frequentemente avalia acontecimentos passados. Não tem grupo de comparação, o que pode gerar conclusões errôneas2.

Estudo no qual dois grupos semelhantes são selecionados a partir de uma população em risco. A diferença entre os grupos é a presença ou a ausência de doença. É um estudo retrospectivo, em que o pesquisador busca localizar os possíveis fatores de risco a que essa amostra com a doença foi exposta anteriormente2.
É indicado para a identificação de fatores de risco em doenças raras, também em surtos epidemiológicos nos quais haja necessidade de identificação rápida dos fatores de risco, e ainda para a exploração de fatores prognósticos de doenças com longo período de latência2.

Trata-se de estudo longitudinal, prospectivo e observacional, em que um grupo definido de pessoas (coorte) é acompanhado durante um período de tempo. Os desfechos são comparados a partir da exposição, ou não, a uma intervenção ou a outro fator de interesse. É o desenho de estudo mais adequado para a descrição de incidência e história natural de uma condição. São estudos demorados e tendem a ser dispendiosos3.

Este tópico é muito importante, pois esse tipo de estudo é o foco de interesse das revisões sistemáticas. É o estudo padrão-ouro para se avaliar intervenções. É um estudo prospectivo, no qual uma intervenção será testada em pelo menos dois grupos aleatórios de indivíduos, por um tempo determinado. O termo "controlado" significa que há grupo-controle ou grupo de comparação. Esses grupos podem ser: grupo intervenção vs. grupo não intervenção ou diferentes intervenções comparadas entre si. Existe um guia com os parâmetros que devem ser seguidos para se elaborar um ensaio clínico controlado randomizado4.

Os parâmetros principais são:

  • O tamanho da amostra deve ser calculado previamente através de uma fórmula5;
  • Os indivíduos devem ser randomizados, ou seja, devem ser alocados para os grupos de forma aleatória; por exemplo, através do uso de uma tabela de números randômicos gerados por computador. A randomização visa distribuir igualmente riscos e benefícios4-5;
  • Também deve existir sigilo na alocação. Assim, uma lista de números randômicos pode ser usada, mas se a lista estiver aberta para os pesquisadores que vão recrutar os participantes, eles podem voluntária ou involuntariamente influenciar o processo de alocação. Os participantes devem ter a mesma chance de serem alocados para um ou outro grupo do estudo. Envelopes lacrados podem ser usados para guardar os números gerados e serem distribuídos quando o paciente assina o termo de consentimento para participar do estudo4-5;
  • O seguimento deve ser completo. Caso haja desistência ou perdas de pacientes, as análises dos resultados devem ser feitas por ITT (intenção de tratar). Isso significa que, se a perda foi no grupo da intervenção testada, na avaliação dos desfechos considera-se o pior resultado, ou seja, que não houve melhora naquele caso. Se a perda foi no grupo não intervenção, ou na intervenção comparada, considera-se o melhor desfecho, ou seja, que houve melhora no desfecho avaliado4-5;
  • Deve haver mascaramento, sempre que possível, do pesquisador, do paciente e dos avaliadores (estudo duplo-cego ou triplo-cego) 4-5;
  • Risco relativo e intervalo de confiança podem ser utilizados para expressar os resultados4-5;
  • Embora esses sejam os melhores desenhos de estudos, também estão sujeitos a vieses:
    • Viés – erro sistemático – Vício ou tendenciosidade é um processo que tende a produzir resultados que se desviam sistematicamente dos valores verdadeiros. Veja alguns exemplos:
      • - Viés de mensuração – Diferenças sistemáticas entre os grupos de comparação na maneira como os desfechos são medidos6;
      • - Viés de seguimento – Diferenças sistemáticas entre os grupos de comparação em perdas ou exclusões nos resultados de um estudo. Por exemplo: doentes podem desistir de um estudo por causa dos efeitos colaterais de uma intervenção6;
      • - Viés de seleção – Ocorre quando são feitas comparações entre grupos de pacientes que diferem quanto a fatores que influenciam no desfecho do estudo (idade, sexo, gravidade da doença, presença de outras doenças e cuidados que recebem)6.


Destacam-se dois estudos relevantes para a comunidade científica: a Revisão Sistemática da literatura e a Revisão Bibliográfica.

Para todas as perguntas, podem existir revisões sistemáticas da literatura com respostas. A Revisão Sistemática é um importante recurso da prática da saúde baseada em evidências. É um tipo de estudo secundário que reúne de forma organizada resultados de pesquisas clínicas de boa qualidade, com o objetivo de facilitar as decisões clínicas. Pode ou não ser acompanhada de meta-análise, que é um método estatístico somatório dos resultados de dois ou mais estudos primários7-10.

A partir da pergunta clínica, faz-se um mapeamento sistemático do conhecimento, buscando-se ensaios clínicos de qualidade7-10. A Revisão Sistemática tem as seguintes características:

  • Tem um projeto;
  • Visa buscar toda a informação (mapeamento);
  • A informação deve ser de qualidade;
  • Sintetiza resultados semelhantes. Há a possibilidade de soma de resultados através da meta-análise;
  • Pode ser reproduzida ou criticada. A crítica pode ser incorporada em sua publicação eletrônica;
  • Visa evitar duplicação de esforços;
  • Pode ser facilmente atualizada.

A pergunta crítica tem por objetivos colaborar com a prática clínica e definir prioridades na pesquisa clínica e em políticas de saúde. Sua execução baseia-se em métodos sistemáticos, numa sequência de passos recomendados pela literatura.

A Colaboração Cochrane é uma organização internacional que tem como objetivos preparar, manter e assegurar o acesso a revisões sistemáticas sobre efeitos de intervenções na área da saúde. O Centro Cochrane do Brasil existe desde 1997, na Universidade Federal de São Paulo: www.cochrane.org ou www.centrocochranedobrasil.org.

Já a Revisão Bibliográfica consiste na coleta e na armazenagem de dados para a revisão, mediante levantamento das publicações existentes sobre o assunto ou problema em estudo, seleção, leitura e discussão das informações relevantes8-10.

Visa analisar o que já foi publicado sobre o tema escolhido, permitindo efetuar um mapeamento do que já foi escrito e quem foram os autores responsáveis pelas publicações sobre o tema9-10.

A Revisão Bibliográfica não produz conhecimento novo. Ela apenas supre as deficiências de conhecimento do pesquisador no tema selecionado8-10.

Especialização em Saúde da Família
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