Introdução

Embora a incidência de muitas doenças humanas tenha se reduzido em decorrência de implementação das estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce, a insuficiência cardíaca (IC) permanece com uma das poucas doenças humanas aumentadas em incidência. Esse fato tem sido atribuído a vários fatores: envelhecimento da população, melhor sobrevida após o infarto agudo do miocárdio (IAM) e tratamento agressivo da doença arterial coronariana (DAC). Entretanto, é importante lembrar que a disfunção miocárdica não é exclusiva da doença coronariana, que responde por dois terços dos casos de IC. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o diabetes melito também são fatores importantes. Além do mais, não se pode menosprezar a importância dos agentes infecciosos como infecções virais prévias, agentes tóxicos, incluindo o álcool e agentes quimioterápicos para o tratamento do câncer, que contribuem para esse aumento. No nosso meio, a doença de Chagas ainda constitui causa importante de IC, ou seja, a IC permanece como a via final comum de toda cardiopatia. 

Aproximadamente 1 a 2% da população dos países desenvolvidos tem IC, com a prevalência aumentando para 10% entre as pessoas acima de 70 anos. Pelo menos quase a metade dos pacientes com IC tem a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida, ou seja, em torno de 40%. A outra metade tem fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) normal ou preservada. No Brasil, a IC constitui a terceira causa de hospitalização e a primeira entre as doenças cardiovasculares.

Ao longo dos anos, vários paradigmas têm norteado a compreensão do processo fisiopatológico da IC e guiado seu tratamento. O modelo neuro-hormonal surgiu na década de 1980 e reconhece que um evento inicial, tal como o IAM ou uma HAS, resulta em queda da FEVE e do débito cardíaco (DC), dando início à síndrome da IC.

O desenvolvimento da IC resulta na ativação de vários sistemas neuro-hormonais importantes com o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), e o sistema nervoso simpático (SNS) desempenhando o papel central. Esses sistemas, quando ativados, são responsáveis pelo caráter progressivo da doença e pela alta mortalidade dos pacientes. Os neuro-hormônios implicados na fisiopatologia da IC incluem angiotensina II, norepinefrina, aldosterona, peptídeos natriuréticos, vasopressina e endotelina. Os resultados dos grandes ensaios clínicos com novos fármacos, tais como os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) e betabloqueadores, têm demonstrado claramente que o bloqueio desses neuro-hormônios reduz significativamente os sintomas da IC e prolongam a sobrevida. Os benefícios das drogas utilizadas para prolongar a sobrevida de pacientes com IC são atribuídos, primariamente, ao bloqueio da resposta neuro-hormonal, sendo, portanto, a estratégia atual no tratamento da IC.