Caso 3 - Ilha das Flores
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Maria Angela M. Mimura




Câncer bucal

 

Inicialmente, após receber o paciente para a consulta, o dentista deve fazer um exame clínico completo (composto de anamnese – coleta de sintomas e exame físico – coleta de sinais), anotar sempre todas as alterações sistêmicas do paciente, queixa principal, história da doença atual, história dental, história familiar, ambiente de trabalho e hábitos.

A queixa principal do Sr. Reinaldo é o aparecimento de feridas na boca e nos lábios; quanto à história da doença atual, devemos sempre perguntar:

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    perguntar quando apareceu a lesão. No caso de nosso paciente, foram seis meses de evolução. Não se deve esquecer que os pacientes muitas vezes não conseguem lembrar-se corretamente de quanto tempo tem a lesão, já que em alguns casos elas podem ser totalmente assintomáticas.

    perguntar se o paciente sente dor, prurido, ardência (especificar o tipo e a constância de cada um deles: latejante, lancinante, aguda, crônica, em picos, espontânea ou estimulada, nem aparece). O nosso paciente não se queixa de dor das lesões intraorais e as lesões do lábio superior apresentam dor apenas quando este está rachado.

    perguntar se o paciente já procurou atendimento ou tratamento prévio. Caso tenha procurado, como foi o atendimento? Foi feito algum tratamento? Houve melhora ou piora no quadro? Nosso paciente aproveitou que estava passando em consulta por outro motivo para comentar a respeito da boca.

    relaciona o aparecimento da lesão a algum fator?

    perguntar se houve crescimento, se há aumento e diminuição da lesão. O Sr. Reinaldo relata ter observado um aumento de tamanho durante os seis meses anteriores.



É correto perguntar sobre os hábitos:

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    faz uso de qual tipo de tabaco? Cigarro industrializado, cachimbo, charuto, cigarro de palha, fumo de mascar? Quantidade por dia? Há quantos anos faz uso? Parou há quanto tempo? Nosso paciente fuma há 31 anos e não se sabe bem ao certo a quantidade, uma média de 1 a 10 cigarros dia, mas no passado deve ter fumado uma maior quantidade.

    faz uso de qual tipo de bebida? Destilado, fermentado? Quantidade por dia (usar doses)? Há quantos anos? Parou há quanto tempo? O nosso paciente faz uso frequente de bebida alcoólica, quase diariamente, pelo menos duas doses ao dia, misturando destilados e fermentados.

    importante perguntar tipo de droga, injetável ou não. Relatar sempre período de uso. O nosso paciente não faz menção nenhuma com relação a esse tipo de hábito.

    perguntar se a exposição é profissional ou recreativa, horas de exposição ao dia e se faz uso de proteção mecânica (chapéu) e química (protetor solar). O nosso paciente faz exposição solar diária intensa e somente usa o boné.

    perguntar tipo e tempo de uso. No caso de já ter havido troca das próteses, há quanto tempo tem a atual.

Realizada toda a anamnese, passamos ao exame físico, no qual faremos exame extra e intraoral. Durante o exame extraoral, observaremos se existe alguma alteração na face e no pescoço do paciente, faremos a palpação ganglionar (palpação de cadeias linfáticas submandibulares, mentonianas, pré e pós-auriculares, occiptais e cervicais). Não podemos nos esquecer de anotar qualquer alteração nas cadeias e realizar a descrição das características do(s) linfonodo(s) alterado(s). Após a palpação das cadeias, realizaremos a palpação da Articulação Temporo Mandibular (ATM). A palpação e o exame físico de lábios superiores e inferiores também devem ser realizados neste momento. Em relação ao Sr. Reinaldo, só temos informação de lesão no lábio inferior em continuidade com a lesão oral e o lábio superior com rachaduras.

O exame intraoral é realizado seguindo sempre uma rotina estabelecida por nós mesmos, de modo a não nos focarmos apenas na queixa principal. Toda a mucosa oral deve ser observada.

O quadro clínico que nos foi passado, em que o nosso paciente tem 45 anos, é fumante e etilista, apresenta duas lesões: uma intraoral na mucosa jugal assintomática, provavelmente de coloração branca, já que o médico acreditou ter sido causada por trauma, apresentando-se em continuidade com a lesão no lábio inferior, que aumentou de tamanho e aparentemente tem mais de seis meses de evolução e também não apresenta sintomatologia dolorosa. Devemos nos perguntar:

- Quais hipóteses diagnósticas podemos aventar?

- Como faremos o diagnóstico? Quais exames devem ser realizados?

- O diagnóstico poderá ser realizado na UBS? Há a necessidade de encaminhamento para o Centro de Especialidades Odontológicas?

- Qual o tratamento indicado?

As hipóteses que podemos aventar são:

- lábios superiores: ressecamento dos lábios;

- lábios inferiores: queilite actínica X carcinoma epidermoide;

- mucosa jugal: leucoplasia X carcinoma epidermoide.

As hipóteses supracitadas são pertinentes devido ao quadro clínico sugerido e ao histórico de hábitos do paciente (tabaco, álcool e exposição a luz solar). Não esquecer que tanto a leucoplasia quanto a queilite actínica são consideradas lesões potencialmente malignas ou pré-malignas.

Diante dessas hipóteses, o correto é encaminhar o Sr. Reinaldo para o estomatologista do Centro de Especialidades Odontológicas (referência secundária), onde ele irá realizar biópsia incisional nas duas lesões (eventualmente em mais de um local da mesma lesão). Após receber o resultado anatomopatológico, o estomatologista deverá explicar ao paciente o diagnóstico e todas as implicações e, caso o diagnóstico seja de uma lesão maligna (carcinoma epidermoide – CEC), encaminhá-lo a uma referência terciária (corresponde ao hospital onde haja, além de cirurgia de cabeça e pescoço, serviços de radioterapia e quimioterapia). O estomatologista, ao conversar com o paciente sobre o diagnóstico de câncer bucal, deve sempre explicar da melhor maneira possível o que é o câncer e quais são as opções terapêuticas. O diagnóstico do câncer sempre deve ser passado ao paciente e, quanto à família, apenas quando o paciente quiser que ela saiba do resultado.

No caso do Sr. Reinaldo, que apresenta duas lesões, o tratamento muda conforme o diagnóstico de cada lesão:

A responsabilidade do diagnóstico e tratamento do paciente com câncer bucal cabe tanto ao dentista clínico-geral da UBS quanto ao estomatologista e à equipe multiprofissional que o atende e acompanha. O tratamento do câncer bucal, seja por cirurgia para remoção de CEC ou radioterapia, é extremamente complicado, podendo causar grande mutilação do paciente e sequelas como xerostomia, cáries de radiação, mucosite, osteorradionecrose, entre outras. O papel do cirurgião-dentista é prevenir essas sequelas provendo um tratamento dentário prévio, durante e após a terapêutica, de modo a melhorar a qualidade de vida do paciente.

O processo diagnóstico das lesões de boca segue sempre a mesma sequência: exame clínico (anamnese + exame físico), hipóteses diagnósticas, exames complementares (imaginológicos, sorológicos, bioquímicos, biópsia e citologia esfoliativa) e diagnóstico final. Após o diagnóstico final, é importante saber o que nos é possível tratar e o que devemos encaminhar.


Especialização em Saúde da Família
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