Eixo 2 - Cuidados
A) Abordagem comunitária e coletiva:
A equipe de saúde da UBS Ilha das Flores tem um território de abrangência com sérios riscos a saúde, como abordado no tema "Vulnerabilidade social e agravos a saúde: hepatite e outros". Neste tipo de situação a equipe não deve ater-se somente a cuidados individuais, mas também considerar a necessidade de intervenções coletivas. A dentista Juliana percebe isso ao examinar consecutivamente crianças com problemas semelhantes, relacionados a higiene e cuidados insuficientes. Decide então, acertadamente, organizar uma atividade para crianças.
Nesse mesmo sentido, o caso traz a informação de que a equipe de saúde já possui uma importante ação de cunho coletivo, o "grupo de catadores", que atende a uma necessidade de saúde daquela comunidade. Outras ações (coletivas e/ou intersetoriais de promoção da saúde) poderiam nascer da análise dos dados e informações do Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), que é superficialmente apresentado no caso por meio das fichas utilizadas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Os relatórios que o SIAB emite permitem conhecer a realidade sociossanitária da população acompanhada, além de avaliar a adequação dos serviços de saúde oferecidos – e readequá-los, para melhorar sua qualidade. Permite, portando, a realização de um diagnóstico de saúde do território, que auxilia a equipe no planejamento de ações.
Lembramos aqui que um dos princípios acessórios da Atenção Primária é a orientação comunitária, que a abordagem acima descrita permite alcançar.
B) Abordagem familiar
Outra habilidade que deve ser de domínio dos profissionais especialistas em Saúde da Família é abordagem familiar. Há vários instrumentos e rotinas que facilitam tal abordagem. Neste caso, percebemos que ambas famílias são de alto risco. Para tais situações, podemos lançar mão de uma registro gráfico da família, o genograma:
O Genograma
Para termos uma visão inicial mais sistêmica e integral do caso apresentado, podemos construir os genogramas das duas famílias que servirão de suporte para as discussões adiante. O caso não apresenta informações mais detalhadas para contrução de um genograma adequado, com uma terceira geração das famílias, bem como detalhes das relações entre os familiares. No entanto, é possível fazer um genograma básico:
Genograma da Família 1 (Antonio Carlos, Edileusa e Gerson):
Genograma da Família 2 (Reinaldo, Josélia, Eliete e Stefane):
Ambas as famílias devem ser abordadas de forma coesa, com atenção a todos os membros. Na primeira família, cuidar do menino Gerson passa necessariamente por uma aproximação dos pais. Da mesma forma, no caso da família 2, como descrito no caso, o cuidado de um membro permitiu a atenção a vários outros. Esse olhar sistêmico e integral deve ser uma habilidade do profissional especialista em Saúde da Família, lembrando mais uma vez que a integralidade do cuidado é um princípio tanto da Atenção Primária quanto do SUS. Podemos identificar que ambas as famílias apresentadas são disfuncionais quanto às suas dinâmicas (pobreza, risco social, morbidades etc.), além dos problemas e dificuldades inerentes ao ciclo vital da família. A equipe poderia nesse caso discutir um “projeto terapêutico singular”, buscando também fortalecer a rede de apoio social dessas famílias.
C) Abordagem individual
Problemas, Necessidades e Planos Individuais
Na Atenção Primária, por lidarmos uma com uma gama muito grande de situações clínicas de forma integral (integralidade), a forma como registramos os problemas é fundamental para organização do cuidado no decorrer do tempo (longitudinalidade) e de forma organizada no sistema de saúde (coordenação do cuidado). Para tanto, devemos lançar mão de listas de problemas em vez de uma relação de “hipóteses diagnósticas”. Novamente, este tema será melhor abordado nas próximas unidades do curso. Mas adiantamos a forma do registro através da lista, bem como exemplificamos com a classificação dos problemas através da CIAP (Classificação Internacional de Atenção Primária). Observem como este sistema de registro permite a inclusão de problemas essenciais para o manejo do caso, indo além do adoecimento biomédico.
Centraremos a discussão do cuidado individual nos casos de Gerson (Família 1), Reinaldo, Josélia e Stefane (Família 2).
Gerson
As informações sobre Gerson são limitadas, mas podemos identificar inicialmente os seguintes problemas e necessidades de saúde:
Pelas condições de vida de Gerson e sua família, podemos pensar num quadro sindrômico de enteropatia ambiental com risco para hepatite (como você pode ver no tema “Vulnerabilidade social e agravos a saúde: hepatite e outros” deste caso). Gerson deveria ser encaminhado para atendimento médico (encaixe “eventual“, não programado), oportunizando o posterior seguimento longitudinal, individual e familiar, pela Equipe de Saúde da Família (ESF), incluindo a abordagem da situação de risco social, além de aspectos mais globais de saúde do pré-adolescente.
Reinaldo
O caso traz informações mais completas sobre a situação do Sr. Reinaldo, incluindo uma longa passagem de sua consulta clínica. Pôde-se observar que a conduta médica foi oportuna e centrada na demanda do paciente, na medida em que respondeu às necessidades apresentadas. No ponto de vista dos princípios da Atenção Primária à Saúde (APS), a ESF serviu como porta de entrada com acesso contextualizado, propondo também uma abordagem integral e coordenada longitudinalmente.
Vale lembrar que o Ministério da Saúde tem incentivado o acesso oportuno dos homens aos serviços de saúde, principalmente na APS. As causas externas são um dos principais motivos de morbidade nessa população, como trata o presente caso, servindo como oportunidade para um cuidado mais integral do Sr. Reinaldo.
Veja mais em: "Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem", disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/apresentacao_saude_homem.pdf).
Em relação ao MCCP, podemos identificar que houve uma tentativa de abertura de espaço para que Reinado expusesse seus sentimentos, ideias e expectativas em relação aos problemas apresentados (“experiência da doença ou problema”), por meio de utilização de perguntas mais abertas, como: “Como posso ajudar você, Reinaldo?” ou “Por que você ficou com medo?”..
Por outro lado, também pudemos identificar alguns problemas, por exemplo, quando Marcelo faz múltiplas questões e propõe várias condutas ao caso, deixando de ser “realista” quanto às possibilidades de aderência do Sr. Reinaldo, principalmente no que diz respeito às suas condições sociais e laborais, por exemplo, nas frases: “Vamos examinar sua boca?” e “Faz uso de bebida alcoólica?”.
Josélia
Com as informações disponíveis sobre a Sra. Josélia, podemos identificar inicialmente os seguintes problemas e necessidades de saúde, com a respectiva tentativa de classificação segundo o CIAP:
Apesar de o caso trazer informações menos detalhadas sobre a Sra. Josélia, pois houve priorização do caso do Sr. Reinaldo, pode-se identificar uma potencial situação de fragilidade na relação do Dr. Marcelo com Josélia, caso esta não tenha sentido seus problemas ou necessidades integralmente atendidos na situação, afetando um importante componente do MCCP: o fortalecimento da relação profissional-pessoa.
Algumas ações poderiam ter prevenido tal situação, por exemplo, ter também atendido a Sra. Josélia em seguida ao Sr. Reinaldo, ou ter ocorrido um atendimento conjunto com a enfermagem voltado ao problema da dor nos ombros, além da questão da úlcera na perna. Seria importante ter elaborado um plano de cuidados para a continuidade do vínculo, agendando um retorno ou uma visita domiciliar o mais breve possível.
Sobre as abordagens e condutas específicas sobre os problemas e necessidades de saúde apresentados pela Sra. Josélia, leia o tema "Feridas". Quanto ao quadro de “bursite” (inflamação ou degeneração de estruturas saculares que protegem os tecidos moles das proeminências ósseas adjacentes, neste caso, bursite subacromial), leia o tema "Lesões traumáticas". Lembre-se que o uso de anti-inflamatórios deve ser limitado por se tratar de paciente hipertensa.
Stefane
Com as informações disponíveis sobre Stefane, podemos identificar inicialmente os seguintes problemas e necessidades de saúde, com a respectiva tentativa de classificação segundo o CIAP:
Houve poucas informações sobre o estado de saúde de Stefane, exceto sobre o atraso vacinal, mas pode-se inferir que outros aspectos de seu crescimento e desenvolvimento também devam estar inadequados. Uma possível ação seria ter oportunizado a ida de Stefane junto aos pais na unidade para atualizar o calendário vacinal, aproveitando para negociar um seguimento continuado de puericultura.