Maria do Socorro
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Julie Silvia Martins
Revisão de Daniel Almeida Gonçalves




Contextualização

Cleonice Hirata, no texto de fundamentação teórica HIV e Saúde bucal , aborda as manifestações bucais associadas ao HIV mais frequentes. A lesão de Maria do Socorro, vegetante em palato duro, pediculada, de cor semelhante à mucosa, medindo aproximadamente cinco milímetros, é sugestiva de papiloma vírus, sendo indicada a remoção cirúrgica e a realização do exame histopatológico. O aspecto da língua descrito é sugestivo de candidíase pseudomembranosa, cujas formas de tratamento são abordadas no texto de Hirata. Em relação à mobilidade generalizada dos dentes, é característica da doença periodontal, decorrente de uma higiene bucal inadequada, que em pessoas acometidas pelo HIV pode apresentar um quadro exacerbado, de acordo com o apontado pela autora. É importante também considerar que a presença dessas manifestações na cavidade bucal pode estar refletindo o declínio do sistema imunológico e representar os primeiros sinais clínicos da doença.

Apesar de o caso não mostrar os resultados dos exames, a presença de manifestações bucais como a candidíase oral/leucoplasia pilosa, de acordo com o tema Gestação e HIV , indica imunodeficiência moderada. Além disso, há outros fatores que podem favorecer a transmissão vertical do HIV, como o seu estado nutricional, a presença de coinfecções (bucais) e ainda não ter iniciado a terapia antirretroviral (TARV). Embora a TARV esteja indicada a partir da 14a semana para gestantes assintomáticas com linfócitos CD4 > 200, com o intuito de prevenir a transmissão vertical, Maria do Socorro já é sintomática "moderada", portanto a TARV já deveria ter sido iniciada. Nesse caso, de acordo com Campanharo: "Quando o momento para início tratamento antiretroviral na gravidez é 'perdido', o importante é iniciar a TARV o quanto antes".

Aspecto fundamental para a equipe de saúde da família é saber manejar as situações que há dificuldade na adesão ao tratamento, como no caso em questão. O autor também ressalta que a adesão à profilaxia antirretroviral é fundamental para a redução do risco de transmissão vertical, além de salientar a importância do vínculo da equipe de profissionais com a gestante para evitar um "fim tão dramático como a transmissão vertical do HIV".

Embora Dr. Marcelo já houvesse alertado sobre a importância do uso dos medicamentos da TARV, Elza (enfermeira) constatou indícios de que Maria do Socorro não havia aderido ao tratamento.

A adesão ao tratamento se coloca entre os maiores desafios da atenção às pessoas que convivem com HIV/AIDS (BRASIL, 2008). Entre os fatores que podem dificultar a adesão ao tratamento estão: a complexidade do regime terapêutico; a precariedade ou até mesmo a ausência de suporte social afetivo e/ou material/instrumental; habilidades cognitivas insuficientes; não aceitação da soropositividade; depressão e ansiedade; receios sobre os efeitos colaterais da TARV; relação insatisfatória do usuário com a equipe de profissionais; dificuldades de organização para se adequar às exigências do tratamento na rotina diária, entre outros (BRASIL, 2008).

A compreensão dos aspectos envolvidos na falta de adesão de Maria do Socorro ao tratamento é o primeiro passo para o manejo e a superação do problema. É na escuta que os contextos individuais vão se aflorar e poderão ser apropriados pela equipe, permitindo uma abordagem adequada e resolutiva, procurando superar as dificuldades e fortalecer os aspectos que favoreçam a adesão (BRASIL, 2008). No caso de Maria do Socorro, cabe à equipe identificar e trabalhar os aspectos relativos à falta de adesão ao tratamento e procurar, de diferentes formas, sensibilizá-la sobre a importância desse ato para a prevenção da transmissão vertical da doença para seu filho(a).

Cabe aqui destacarmos aspectos do trabalho em equipe realizado pelos profissionais neste caso. Observamos que houve uma marcada mobilização da equipe para o acompanhamento da Maria do Socorro, com uma grande interação entre os vários profissionais desde sua chegada em consulta de demanda espontânea médica, a consulta odontológica, da enfermagens e as visitas domicilicares. A equipe identificou muito bem a situação de risco que garantiu acesso rápido da paciente ao sistema de saúde, função primordial da Atenção Primária. No entanto, não houve tempo ou orientação para uma abordagem mais ampliada e sistêmica. Observamos uma quebra do vínculo habilmente conseguido pela Elza devido uma desarticulação com o Núcleo de Apoio a Saúde da Família. A estratégia do matriciamento prevê que as condutas e decisões sejam compartilhadas e apoio à articulação da rede, o que não aconteceu neste caso, denunciando a fragilidade desta equipe neste sentido, com grande prejuízo para saúde da paciente e provável desistímulo do trabalho da equipe da Etratégia Saúde da Família.

Nabas, autor de Maus-tratos, aponta que, no presente caso, o Conselho Tutelar não exerceu de forma contundente o seu papel de articulador das redes de proteção e de apoio, uma vez que a própria Equipe de Saúde da Família, que poderia contribuir de maneira decisiva, não tinha conhecimento prévio dos fatos de uma maneira consistente, de forma a desenvolver ações concretas para o enfrentamento da violência intrafamiliar.

É preciso considerar que as Equipes de Saúde da Família têm um papel importante na abordagem da violência doméstica, uma vez que as atividades realizadas possibilitam estreitar as relações dos serviços com os usuários e a comunidade, facilitando a identificação de famílias de risco, as possíveis redes sociais de apoio disponíveis e a prática interdisciplinar dos profissionais envolvidos no atendimento (MARTINS, 2007).

Em relação à questão dos maus-tratos, o tema de mesmo nome apresenta diferentes formas de violência contra crianças e adolescentes, as possíveis abordagens a serem realizadas pelos profissionais de saúde, os aspectos legais relativos aos maus-tratos envolvendo crianças e adolescentes, o papel dos Conselhos Tutelares, da Vara da Infância e da Juventude e as formas de abordagem da violência doméstica contra crianças e adolescentes nos diferentes níveis de prevenção.

Já em relação à situação do caso da família da Maria, que culminaram com a retirada de duas crianças do convívio familiar, vários aspectos devem ser analisados: a equipe de saúde, que mantém um acompanhamento longitudinal da família, nem sequer sabia desses possíveis maus-tratos; a assistente social do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que suspeitava desse fato, não discutiu de forma aprofundada o caso com a equipe para que pudessem desenvolver ações conjuntas, procurando trabalhar junto à família essa situação de maus-tratos identificada (tendo em vista que a retirada da guarda reserva-se a situações extremas). E, para dificultar ainda mais a situação, o Conselho Tutelar não procurou se articular com as redes de proteção e de apoio, entre elas a equipe de saúde da família, para buscar uma solução menos drástica.

No decorrer do caso, observa-se a preocupação de Maria do Socorro com os filhos em diferentes momentos: primeiro quando declarou "Se eu morrer, quem cuida das crianças?"; segundo quando interrompeu a consulta de enfermagem, pois estava preocupada com o horário de pegar os filhos na escola, que na percepção da enfermeira, "parecia muito preocupada com as crianças". Tais constatações nos levam a acreditar que Maria do Socorro não era a responsável pelos maus-tratos dirigidos aos filhos.

Especialização em Saúde da Família
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