"Passou, então, a fumar ainda mais do que já fumava: de 10 a 15 cigarros ao dia, passou a fumar de 20 a 30. Em certos momentos, percebia-se fumando, mas nem sabia como havia acendido o cigarro; sabia que prejudicava a asma de seus filhos, mas não conseguia largar o tabagismo."
O tabagismo passivo é a inalação por não fumantes da fumaça derivada da queima de derivados do tabaco, sendo a exposição do feto ao fumo materno o exemplo mais extremo de tabagismo passivo. Diversos estudos mostraram fortes evidências que os recém-nascidos de mães tabagistas têm peso inferior ao das não tabagistas, além de dobrar a chance de prematuridade. Entre os outros aspectos negativos do tabagismo, ligados à gestação, temos diretamente o aumento na incidência de patologias como inserção baixa de placenta, gravidez ectópica e abortamento. As alterações são dependentes da quantidade de cigarros consumida por dia, sendo que a suspensão do hábito de fumar no início da gestação pode determinar a prevenção dessas complicações.
O fumo causa envelhecimento precoce na placenta. Na placenta de mulheres fumantes encontram-se diminuição do fluxo sanguíneo interviloso, redução do espaço interviloso, infartos, anomalias trofoblásticas, aumento do colágeno nas vilosidades, vascularização reduzida, edema na camada íntima dos capilares vilosos e nas arteríolas, necroses teciduais, anomalias bioquímicas e estruturais e alterações nos níveis de enzimas plasmáticas, fatores que levam a dificuldades nas trocas materno-fetais. A placentação anormal eleva o risco para as gestações dessas mulheres (KULAY, 2010; REICHERT, 2008).
Há, entre as mais de 4 mil substâncias encontradas na fumaça do cigarro, algumas com atividade especialmente deletérias à gestação. A nicotina e o monóxido de carbono serão discutidos abaixo, porém outras substâncias como o alcatrão e o cianeto também são altamente prejudiciais.
A nicotina estimula a liberação de adrenalina e noradrenalina, causando vasoconstricção arteriolar, com redução do fluxo sanguíneo placentário e diminuição de nutrientes e oxigênio para o feto, levando à acidose e à hipóxia. A nicotina atinge no sangue fetal valores superiores ao sangue materno, havendo relação entre a exposição ao tabaco e a diminuição da idade gestacional, bem como do tamanho do recém-nascido, além de estar relacionada com aborto espontâneo, prematuridade e diminuição do peso fetal. A nicotina também causa isquemia e necrose da decídua, sendo o tabagismo um dos principais fatores de risco para o descolamento de placenta.
O monóxido de carbono pode causar hipóxia tissular crônica por diminuir a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue e reduzir a pressão na qual ele é liberado nos tecidos fetais. A hemoglobina fetal possui maior afinidade pelo monóxido de carbono que a hemoglobina de um adulto; sendo assim, sua concentração é muito maior (10 a 15%) no sangue fetal que no sangue materno, assim como os efeitos adversos.
A parada do tabagismo diminui o risco de complicações obstétricas. Na impossibilidade de "parar de fumar", recomenda-se que não seja ultrapassado o limite de 6 a 10 cigarros por dia. Dependendo do número de cigarros/dia, pode ocorrer bradicardia fetal quando a mãe está fumando, o que se justifica pela hipóxia fetal mais prolongada ou taquicardia transitória com diminuição da variabilidade dos batimentos cardíacos fetais. O efeito agudo mais marcante do fumo sobre o comportamento fetal é a redução da movimentação fetal.
Além disso, estudos mostram associação do cigarro (20 cigarros/dia) com anomalias congênitas, como gastrosquise, onfalocele, atresia de intestino delgado, fenda labial e palatina, hidrocefalia, microcefalia e anomalias de mãos.
A intervenção mais eficaz no tabagismo materno é a prevenção da iniciação e o estímulo à cessação nas jovens antes de engravidar. As intervenções durante a gestação, porém, são de grande valia e têm elevada relação custo-benefício. A melhor oportunidade que temos para fazer uma mulher parar de fumar é durante a gestação, época em que a mulher encontra-se motivada, e que ocorrem os maiores índices de cessação. O problema é que, findada a gravidez, apenas 1/3 das pacientes mantêm-se "não tabagistas", sendo a recaída muito frequente após o parto.
Existem duas abordagens terapêuticas para cessação do tabagismo, as farmacológicas e as não farmacológicas. As terapias não farmacológicas são as preferidas, porém pode ser necessária a substituição dos produtos da nicotina e de outros agentes quando a mulher é altamente dependente.
Para substituir os produtos da nicotina podem ser utilizados gomas e adesivos transdérmicos. A utilização desses meios, entretanto, não foi adequadamente estudada durante a gestação, sendo uma preocupação no uso dessas alternativas o potencial de redução do fluxo sanguíneo no útero e o aumento da resistência vascular uterina, que provocam restrição do crescimento e outras complicações.
Na abordagem desse grupo específico, o enfoque em prevenir as recaídas deve fazer parte do pré-natal, devendo as pacientes serem orientadas a parar sem medicação. É fundamental fornecer informações claras e específicas, de forma direta e o mais precocemente possível, sobre os riscos para mãe e feto, reforçando a necessidade de deixar de fumar.
O fumante deve aprender a reconhecer os sintomas e a duração da abstinência e se preparar para enfrentá-los, especialmente nos primeiros dias sem fumar. O principal deles, a fissura (desejo imperioso de fumar), costuma ceder entre um e cinco minutos, sendo importante desenvolver uma estratégia substitutiva até que o sintoma passe.
Passos numa orientação motivacional para cessação do tabagismo:
- Encorajar a paciente a marcar uma data dentro de 30 dias para parar de fumar;
- Identificar os motivos que a levam a fumar e como poderá vencê-los;
- Consultas subsequentes, voltar a tocar no assunto até que esteja decidida a parar. A partir da data escolhida, a fumante deve se afastar de tudo que lembre o cigarro (não portar cigarros, cinzeiros ou isqueiros, não consumir café e álcool, por exemplo).
Orientações quanto abstinência e fissura:
- Beber líquidos;
- Chupar gelo;
- Mascar algo (balas e chicletes dietéticos etc.).
A recaída é um fenômeno natural no ciclo de qualquer dependência. A maioria dos fumantes realiza de três a dez tentativas até obter a abstinência definitiva. Os pacientes que têm recaída devem ser avaliados para determinar se estão dispostos a fazer uma nova tentativa. Uma intervenção breve nesse momento aumenta a probabilidade de tentativas futuras.
Referências
KULAY, L. et el. Efeitos iatrogênicos de medicamentos e de imunizações, farrmacodependências. Infortunística. In: MONTENEGRO, C. A. B.; REZENDE, J. Obstetrícia. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2010, p. 792-793.
REICHERT, J. et al. Diretrizes para cessação do tabagismo. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, 2008.
ZUGAIB, M. Obstetrícia. Barueri, SP: Manole, 2008, p. 223.