Marcelo não tinha espaço para atendê-la na agenda programada, e ela também não estava escalada para o atendimento da demanda espontânea. Mesmo assim, ele resolveu atendê-la. Então Maria entra no consultório e lhe conta a situação.
– O que te faz pensar em abortar? – pergunta Marcelo.
– Não quero mais filhos, doutor... – responde Maria. – O José, meu companheiro, não aceitou fazer vasectomia nem quis que eu fizesse ligadura. Disse que "era contra Deus...". Contra Deus é o que ele faz aí com essa história das biqueiras. Pelo menos aceitou usar camisinha... Mas a história desse vírus... – afirma Maria, com um olhar vago e lagrimejante.
Sensibilizado, Marcelo coloca a mão no ombro de Maria, que não contém as lágrimas e se põe a chorar.
– Quer um lenço de papel? – Marcelo pergunta.
Maria nega balançando a cabeça e dá continuidade à conversa: – Sabe, nem conseguimos comida direito para os que estão aí... Ninguém na minha rua gosta de chegar perto da gente por causa da doença e do vício do meu marido. Só a Valéria, a agente comunitária, vai lá. Você entende que mais um filho só vai complicar nossa vida? – completa Maria.
– Posso tentar imaginar o quanto deve ser difícil para você pensar nas consequências de uma nova gestação – diz Marcelo.
Maria concorda com a cabeça e relata: – Uma de minhas patroas falou que tem algumas clínicas... Algumas mais baratas... Pensei em ir lá...
– Você sabe como é feito um aborto? – questiona Marcelo.
– Não, não sei – responde Maria. – Ouvi falar que fazem com agulha de tricô, é isso mesmo?
– Mas a sua patroa é da área da saúde? – interrompe Marcelo.
– Não sei, só sei que tem essa clínica – responde Maria.
– O aborto é um procedimento médico, feito em vários países, mas é proibido no nosso – explica Marcelo. – As clínicas que fazem são clandestinas, e muitas não o fazem corretamente, isto é, sem a limpeza adequada dos instrumentos e a técnica correta. Pode haver um grande risco para a saúde da mulher que se submete a um aborto, entre eles, sangramentos e infecções graves.
– E o que poderia acontecer? – pergunta Maria.
– Poderia ficar muito doente, e até morrer – responde Marcelo.
Maria se assusta e balbucia:
– Se eu morrer, quem cuida das crianças?
– E, se por acaso, você resolvesse levar adiante a gestação, como seria? – insiste Marcelo. – Você sabe que, se usar os remédios direito, tem a chance de diminuir a transmissão para o feto.
– Nem quero pensar mais nisso agora – responde Maria, com uma fisionomia mais aliviada e continua:
– Quero aproveitar para lhe mostrar uma bolinha no céu da boca... Os meus dentes, desde que peguei a doença, começaram a amolecer e vejo uma "massa branca" na minha língua.
Depois de examinar Maria, Marcelo diz:
– Que tal você marcar consulta com um dentista daqui da UBS? É superlegal e tem um horário especial para grávidas!