Gestão
Do ponto de vista da gestão central (municipal e federal), a equipe em questão atende um número de pessoas e famílias superior ao preconizado pela Política Nacional de Atenção Básica vigente (até quatro mil pessoas ou mil famílias por equipe), com o agravante de estar numa área rural (maiores distâncias) e da grande vulnerabilidade social e sanitária. Além disso, possui uma área de influência ainda maior, atendendo também famílias do bairro vizinho (Vitória – com características epidemiológicas bastantes distintas da Vila Santo Antônio). Apresenta ainda um problema de acessibilidade, pois está muito distante de alguns pontos do bairro. Também possui um número reduzido de agentes comunitários de saúde (apenas três), quando o preconizado seria pelo menos seis para a área adscrita dessa equipe.
O caso traz ainda um exemplo de uma situação bastante comum: a coexistência em um mesmo território de dois modelos distintos de Atenção Primária: tradicional (com médicos clínicos, pediatras e ginecologistas, entre outras particularidades) e a Saúde da Família. Existem municípios nos quais em uma mesma UBS há os dois modelos. Além de difícil entendimento para população, geralmente os profissionais de saúde têm vínculos trabalhistas distintos assim como piso salarial, o que faz destas situações potencialmente desastrosas tanto para comunidade como para os serviços de saúde. Uma das consequências é a que observamos neste caso, de enorme desproporção entre a capacidade de atendimento da equipe e a demanda. Neste sentido, é possível que os trabalhos da Equipe de Saúde da Família da UBS fiquem mais voltados à demanda espontânea que à programática segundo as prioridades da ESF. Mesmo assim a equipe descrita se dedica ao atendimento da população e dá acesso a casos de extrema vulnerabilidade como o caso do Jéferson. Vemos aqui mais um exemplo do papel fundamental que a Atenção Primária exerce no sistema de saúde, ao aproximar-se das pessoas e famílias e reconhecendo suas necessidades.
Para o enfrentamento de situações como esta, é necessário o exercício do controle social com a negociação junto ao Conselho Municipal de Saúde, com o apoio da comunidade local, a instalação de equipes da ESF no Bairro Vitória, a fim de se resolver ou amenizar os dois problemas; ou, ainda, implantar uma nova equipe na Vila Santo Antônio, pois há condições sociais, demográficas e sanitárias que justificariam uma segunda equipe. Fundamental também é a organização da relação entre os trabalhos das UBS e da Unidade de pronto atendimento – UAI. Observa-se aqui a relevância de uma atuação competente dos gestores locais.
Outros problemas relevantes, com grande impacto na saúde das pessoas do território, são a ausência de escolas, de infraestrutura sanitária básica e de áreas de lazer no território, constituindo-se em ações intersetoriais importantes a serem desenvolvidas pela Unidade, em conjunto com a comunidade e junto aos órgãos públicos responsáveis. A reativação da associação de moradores da comunidade seria um passo importante, e poderia ser incentivada e apoiada pela equipe. Opções de lazer, educação e geração de renda surtiriam efeito preventivo para problemas como o de Jéferson, sem contar que impactam positivamente na promoção da saúde. A Equipe de Saúde da Família pode atuar como fomentadora e articuladora dos movimentos populares a partir do fornecimento de informações e espaço para discussão de prioridades e necessidades locais.
Quanto à organização do processo de trabalho da equipe em relação à vigilância dos casos de tuberculose, esta deveria ser guiada pela participação de cada integrante da ESF com atribuições específicas no sentido de suspeitar, diagnosticar, notificar e acompanhar os casos, e também realizar atividades de controle no âmbito do território. A equipe pode trabalhar com as metas definidas no Plano Nacional de Controle da Tuberculose (1999) para estimar o número de sintomáticos respiratórios e o número de casos existentes no território; dessa forma, a organização da equipe pode ser avaliada conforme a realização das etapas, que vão da detecção à cura do doente e à integridade da comunidade.
No caso apresentado, sugere-se problematizar a ausência de casos no território da UBS, sabendo da alta prevalência no município. Considerar também o óbito que houve há dois anos, de um paciente que não fez o tratamento e cuja família não foi mais à Unidade de Saúde. A equipe precisa discutir como deve ser a busca de casos de tuberculose (sintomáticos respiratórios, história de tratamento anterior, contatos dos casos de tuberculose, populações de risco, usuários de drogas, moradores de rua), ou seja, como realizar vigilância.
O atendimento à demanda espontânea e às urgências, como discutido acima, (o corte na mão de Jéferson e o acidente com o cão, por exemplo) devem ser realizados pelas equipes de Saúde da Família (acesso e integralidade das ações são atributos fundamentais da Atenção Primária à Saúde). As equipes são porta de entrada dos usuários no sistema de saúde e também fazem parte do sistema estadual de urgência e emergência. Podemos ler mais sobre o assunto no tema Abordagem de pequenos ferimentos na Atenção Primária.
O usuário com quadro agudo ou crônico agudizado deve ser atendido na sua unidade de referência, pois já possui o vínculo com a equipe. É importante observar que a Equipe de Saúde da Família precisa estar capacitada, e a Unidade necessita ter recursos físicos adequados para esse tipo de atendimento. Outro aspecto importante é o município ter uma rede organizada para referência dos pacientes com problemas agudos.
A equipe deveria também discutir o papel da avaliação e do planejamento nas ações implantadas (por exemplo, em relação ao grande número de gestantes menores de 20 anos e de hipertensos sem acompanhamento). Os serviços de saúde complexos, como os de Atenção Primária, envolvem processos de trabalho diversos. A avaliação precisa dar resposta a todo o conjunto, mas para tanto é fundamental uma relação razoável entre população cadastrada e equipe. Mesmo 4.000 pessoas por equipe pode ser excessivo.