A modernidade é, sob certo aspecto, a mais ampla e consistente tentativa da humanidade de libertar-se dos condicionamentos naturais e sociais, que tinham feito do mundo, até então, uma sucessão de constrangimentos aos desejos de liberdade e felicidade que movem a alma humana desde sempre.
No campo das realidades sociais, a afirmação do Estado como predomínio da esfera pública, como prevalência do interesse coletivo sobre o individual e como obra de arte parecia o caminho irreversível para a emancipação, a instauração do reino da liberdade.
Como entender essa relação de prevalência do interesse coletivo sobre o individual?
Finalmente, a Modernidade e a vitória do mercado e sua universalização prometiam o progresso material, atrelado a isso houve o aumento da riqueza na mesma medida que ampliação da divisão do trabalho.
Estado, razão e mercado são os paradigmas de uma nova época, a nossa, que nasce prometendo construir o mundo como a vitória da vida, da liberdade e da busca pela felicidade.
É esta a grande e generosa matriz da modernidade: a construção de instituições, ideias e práticas que desafiam a ignorância, a tirânia, o sofrimento e a miséria.
Contudo, se estão presentes e são centrais os aspectos emancipatórios ressaltados no projeto moderno, não devemos compreendê-los como lineares exclusivos e ausentes de contradições, pois eles existem e tencionam a trajetória do mundo moderno, que frequentemente terá que optar entre perspectivas que, embora originárias da mesma matriz histórico-filosófica, representam diferentes e conflitantes maneiras de conceber e atuar no mundo.
Na verdade, vivemos hoje, desde o início dos anos 70 do século XX, momento crucial do embate dessas tensões. Há um amplo consenso quanto à existência de uma crise generalizada e profunda, que alguns têm insistido em chamar de crise da Modernidade, de todo um projeto histórico, de toda uma civilização, esta criada pela Modernidade: crise do Estado, da razão instrumental, do principal herdeiro do projeto moderno – o socialismo – crise ambiental, das formas de representação e da arte moderna, crise econômica e suas consequências – desemprego, miséria e endividamento.
Progresso para quem?
Um dos aspectos mais visíveis dessa crise diz respeito à questão ambiental. Depois de longa trajetória de crescimento, marcada por otimismo messiânico na capacidade infinita do desenvolvimento tecnológico em dar conta das externalidades negativas, produzidas pelos processos produtivos, a economia contemporânea vê, no início dos anos 70 do século passado, questionados seus critérios, ritmos, padrões de produção e consumo, perspectivas, a partir de variados pontos de vista e interesses.
Essa descoberta da fragilidade e inconsistência sistêmica da economia contemporânea será partilhada tanto por grupos e propostas, que buscam salvar o status quo, isto é, manter a desigual distribuição de renda, riqueza e poder, quanto por variados ângulos críticos e reformistas.
O que é decisivo nesse caso é o quanto a questão ambiental se tornou universal e o quanto ela tem conseguido sintetizar grandes desafios do nosso tempo, na medida em que passou a incorporar, além dos temas propriamente "verdes", também os referentes à pobreza, aos padrões tecnológicos, às formas de propriedade, à organização da sociedade civil, ao controle e regulação social das atividades produtivas, à legislação, o planejamento e à gestão de territórios.
Também consensual é o reconhecimento da necessidade de se superarem os paradigmas monodisciplinares, no tratamento do tema ambiental por meio de um sistemático esforço de construção de posturas interdisciplinares que signifiquem, efetivamente, interação e partilhamento, socialização de linguagens, conceitos, métodos, visão entre as ciências sociais e humanas, as ciências físicas e da vida e que devem tomar como ponto de partida a procura por referênciais e categorias filosóficas comuns coerentes.
A busca e a construção de paradigma interdisciplinar capaz de abordar o ambiente como totalidade são desafios coletivos, que só serão vencidos coletivamente a partir de esforço, que deve, necessariamente, incorporar instituições de ensino e pesquisa, os estados em suas diversas instâncias e poderes, e a sociedade civil organizada.