Daniel Almeida Gonçalves e Maria Luiza de Mattos Fiore
O doente, sua doença e os mecanismos de defesa
A autoimagem e os ideais de cada indivíduo são função de sua história pessoal, infantil em particular, e do peso dos valores de seu grupo social. A concepção de sua doença e sua maneira de vivê-la reflete sua subjetividade. Como cada um vai ouvir as palavras de seu médico será fruto de construções subjetivas do doente, e não somente da fala objetiva e técnica do especialista. O profissional de saúde pode e deve ajudar seu paciente a reconhecer as situações capazes de ter repercussão orgânica e discriminar suas emoções com relação àquelas situações clínicas, por exemplo, quanto a situações agudas que pontilham um distúrbio crônico. Portanto, tem papel importante na aprendizagem da doença por parte de seu portador (JEAMMET; REYNAUD; CONSOLI, 1989).
A dificuldade da situação de ser doente pode relacionar-se à situação de fragilidade e dependência em que se encontra o indivíduo, condição que provoca consequências psíquicas como regressão e depressão.
A regressão é um mecanismo de defesa universal que faz com que o indivíduo tenha uma reação de autoproteção, fechar-se em si mesmo, com redução dos interesses, egocentrismo e maior dependência do grupo social. Muitas vezes isso é acompanhado de uma crença na onipotência do médico, pensamento com forte conotação mágica. Essa defesa é necessária, e a recusa em regredir reflete um medo exagerado de passividade que pode ter graves consequências. Por outro lado, a regressão pode se fixar e perpetuar o estado de doente. O indivíduo com sua doença encontra uma possibilidade de exprimir e receber trocas afetivas infantis. O profissional corre o risco de se irritar com tal comportamento e acabar abandonando o paciente em sua conduta regressiva, negando qualquer resposta a esse nível. No entanto, é o primeiro que pode fazer alguma coisa para evitar a manutenção do estado de doença, procurando implicar cada vez mais o doente em seu tratamento (JEAMMET; REYNAUD; CONSOLI, 1989).
Determinado grau de depressão é quase inevitável e, muitas vezes, pode estar mascarado, por exemplo, por excessos de queixas. Esse estado psíquico se apresenta com desvalorização, incompletude, fatalidade, resignação e abandono de qualquer desejo. Os sinais clínicos da depressão podem ser confundidos com os do mecanismo de defesa da regressão; no entanto, uma regressão aceita pelo doente e por seu grupo social o protege da depressão. O doente consegue "dar um tempo a si mesmo" e confia aos outros (enfermeiro, médico, odontólogo, cuidadores, familiares) a tarefa de ajudá-lo a reparar seu estado atual.
Outros mecanismos de defesas são frequentes e devem ser avaliados no tratamento do doente. São eles:
A recusa da doença é comum se apresentar como a persistência de hábitos nocivos ou dificuldade em aceitar exigências do tratamento. Atrás dessa negação encontra-se o medo da doença. É frequente, em tais situações, o profissional assustar ainda mais o doente e assim reforçar a negação, no lugar de tentar ganhar a confiança de seu paciente e mostrar que só encarando o tratamento é que poderá vencer a doença. A reação persecutória é, na maioria das vezes, também consequente da negação. A pessoa, para não sucumbir à depressão, atribui sua dor às causas exteriores e reconhece o médico como agente de seu sofrimento, por ser ele quem nomeou seu estado.
O isolamento, por sua vez, evidencia uma neutralização de afetos que acompanha a tomada de consciência da doença. O doente procura falar da doença em termos científicos, documenta-se sobre o assunto e mantém a aparência de boa aceitação de seu estado. No entanto, está reprimindo suas emoções que, na maioria das vezes, são medo. Uma excessiva aceitação, sem nenhuma expressão de pesar, pode contribuir para agravar secundariamente a doença.
Cada doente vai vivenciar a "sua própria enfermidade", do seu modo, de acordo com sua personalidade. Esta pode desempenhar um papel no desencadear da doença, ou ainda na maneira como a doença se instala. Nesse aspecto, a doença ou um acidente pode ser um "benefício secundário" na vida desse indivíduo e se tornar um fator de continuidade desse estado. São benefícios secundários conscientes à compensação social da doença, mas existem também os inconscientes, como a possibilidade de se retirar de relações frustrantes, tornar-se protegido, dependente e se subtrair das exigências do grupo social. O profissional, ao escutar seu paciente, estimular a livre expressão de suas angústias e nomear uma doença, introduz a possibilidade de dar um sentido ao sofrimento da pessoa, de ajudá-la a se reorganizar frente às suas vivências. O que é dito e comentado é sempre menos apavorante do que o não dito que fica à mercê de nossas fantasias. Assim, o profissional deve fazer de tudo para adaptar sua linguagem à do paciente e evitar qualquer revelação ou interpretação prematuras sobre a natureza do sofrimento deste. Quando os profissionais da Atenção Primária não se furtam a um efetivo acolhimento das pessoas sob seus cuidados, à promoção de um vínculo sedimentado na busca de uma clínica ampliada, à atenção ao impacto que a doença causa na pessoa (enfermidade), vão ao encontro de uma verdadeira prática integral, fundamental para a efetivação da Saúde da Família como eixo estruturante do sistema de saúde.