Daniel Almeida Gonçalves e Maria Luiza de Mattos Fiore
Pilares da ação terapêutica
A ação terapêutica decorrente de vínculos de cuidado bem-estruturados sustenta-se em quatro pilares que permitem, de forma específica, a ação de diferentes técnicas psicoterápicas. Esses pilares são mecanismos presentes em qualquer relação terapêutica, podendo ser instrumentalizados por todos os profissionais de saúde. São eles: o Acolhimento, a Escuta, o Suporte e o Esclarecimento.
1) Acolhimento:
Aqui, o termo acolhimento merece destaque, pois podemos atribuir a ele alguns significados.
Comumente, o termo acolhimento na Atenção Primária significa um arranjo tecnológico para a organização dos serviços que visa garantir acesso aos usuários com o objetivo de escutar todos os pacientes, resolver os problemas mais comuns e/ou referenciá-los, se necessário (CAMPOS, 1997). A acolhida consiste na abertura dos serviços para a demanda e a responsabilização por todos os problemas de saúde de uma região. São inúmeras as formas de organizar o processo de trabalho para ações acolhedoras, sendo que para cada comunidade e suas respectivas equipes há modelos mais adequados.
Deve-se considerar o número de equipes por unidade de saúde, o perfil dos profissionais de saúde e epidemiológico da população, entre outros fatores. Tal organização prevê plasticidade, que é a capacidade de um serviço adaptar técnicas e combinar atividades de modo a melhor respondê-los, adequando-os a recursos escassos e aspectos sociais, culturais e econômicos, presentes na vida diária (SCHIMITH; LIMA, 2004).
Para tanto, faz-se fundamental um trabalho colaborativo em equipe, com divisões de responsabilidades entre as diversas categorias profissionais que trabalham neste nível de atenção. A equipe deve estar preparada para diferentes demandas, pois a necessidade de acolher as pessoas chega dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que relatam situações da comunidade, vêm de demandas oriundas dos demais setores sociais e níveis de atenção e, claro, da população batendo à porta da Unidade de Saúde.
Podemos citar como exemplos de informações que chegam dos ACS:
A equipe ainda pode ser solicitada a fazer busca ativa de pessoas que abandonaram o tratamento de doenças infectocontagiosas (hanseníase ou tuberculose, por exemplo), trazidas pelo serviço de vigilância epidemiológica; ou visitas às pessoas a pedido de conselho tutelar ou ministério público. Percebe-se, portanto, a amplitude das ações acolhedoras da equipe.
O termo acolhimento também pode ter um enfoque nas relações interpessoais. A equipe, ao acolher os que procuram o serviço de saúde e/ou dela necessitam, exerce a superação do acesso ao profissional, que agora exercerá a escuta clínica solidária (BUENO; MERHY, 2001), por meio da qual se garante a relação no processo de atendimento e construção da cidadania. Assim, identificam-se as necessidades e inicia-se a construção do vínculo (MATUMOTO, 1997).
2) A Escuta:
Por meio do processo de acolhimento, a pessoa é convidada a falar e a expor suas necessidades. Isso acontece em todos os momentos terapêuticos, seja na demanda espontânea, nos encontros programados, individualmente ou em grupo. A escuta permite o desabafo (denominado catarse, em termos psicológicos) e cria espaços para o paciente refletir sobre seu sofrimento e suas causas.
3) O Suporte:
Enquanto acolhe e escuta, o profissional de saúde pode oferecer continência aos sentimentos envolvidos e aflorados naquele instante, reforçando a segurança daquele que sofre e ajudando-o a buscar soluções para seus problemas.
4) O Esclarecimento:
Não raramente, o motivo de demanda ou da consulta transcende a queixa declarada. Há fantasias ou crenças relacionadas aos sinais e sintomas, ou ainda busca de informações de como enfrentar determinadas situações. Dessa forma, o encontro acolhedor e vinculante desfaz fantasias e aumenta a informação, reduzindo a ansiedade ou depressão quando estão presentes. Também facilita a reflexão e permite uma reestruturação do pensamento com repercussões nos sintomas emocionais e até mesmo físicos.
É muito importante realçar que os elementos até agora descritos, em especial o vínculo e o acolhimento, são parte da Política Nacional de Humanização (PNH), divulgada e recomendada pelo SUS (BRASIL, 2004). Para acessá-la, utilize o endereço a seguir: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/instrumento/arquivo/04_Cartilha_HumanizaSUS.pdf .
Além desses elementos, a PNH traz como diretriz geral o conceito de Clínica Ampliada, que é o compromisso com o sujeito e seu coletivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade de gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde.
Tais conceitos são consonantes com a construção de estratégias acolhedoras que facilitam a construção do vínculo terapêutico, apresentado neste texto.
Vale aqui realçar que tal abordagem acolhedora e vinculante é necessária para que os profissionais de Atenção Primária ofereçam os cuidados em saúde de forma integral, atingindo igualmente as pessoas com queixas físicas e/ou com algum grau de sofrimento emocional, incluindo os portadores de transtornos mentais. Essa distinção entre saúde física e saúde mental, tão comum na formação dos profissionais de saúde, vai na contramão do necessário para a resolubilidade comum à Atenção Primária. Assim, ao identificar-se capaz de apoiar as pessoas por meio da construção do vínculo, o profissional está exercendo o cuidado integral em saúde.
No entanto, a relação próxima e responsável entre o profissional de saúde e a pessoa envolve fenômenos psicodinâmicos presentes em qualquer relação humana, como a transferência e a contratransferência – tema que estudaremos a seguir.