Vínculo, acolhimento e abordagem psicossocial: A prática da integralidade

Daniel Almeida Gonçalves e Maria Luiza de Mattos Fiore

Contexto social e a enfermidade

Cada doença tem um impacto na história daquela pessoa em particular. Esse fato pode estar associado à ruptura de um determinado ritmo e hábitos de vida consequentes a uma resposta diante de uma situação traumática que provoca desorganizações e transtornos que necessitam ser revistos. A organização íntima entre a pessoa e sua doença/enfermidade é expressão da personalidade do indivíduo, bem como das representações sociais de doença forjadas pela cultura daquele grupo.

Cada sociedade tem uma representação da doença que pode ser entendida de acordo com duas correntes que remontam à Antiguidade: a concepção de doença como invasão e como reação do organismo. A primeira confere à doença uma existência autônoma, independente do organismo, que o ataca e tenta destruí-lo. Essa concepção estimula atitudes combativas e de reforço de aliança entre o médico e o doente, pois existe um inimigo comum. A segunda corrente vê a doença como uma perturbação do equilíbrio, resultante de um jogo dinâmico no interior do organismo. A meta é restabelecer o equilíbrio, promover a cura espontânea, o que envolve outro tipo de aliança terapêutica, pois não existe um inimigo comum. Na prática, as duas correntes são complementares, não excludentes e persistem no pensamento médico até hoje. A última concepção ganhou força com a ênfase colocada sobre a importância de fatores ambientais, afetos, ou mesmo os fatores naturais de defesa que se voltam contra o organismo. Essa posição também comporta alguns riscos, como a negação do peso das variáveis genéticas, bioquímicas e fisiológicas, como também o sentimento de onipotência da psique, que não se dá conta de nossos limites (JEAMMET; REYNAUD; CONSOLI, 1989).

Foucault (1987) assinala que a medicina moderna nasceu em fins do século XVIII, quando pôde ocorrer uma articulação entre espaço, linguagem e morte por meio do método anátomo-clínico, ou seja, quando o espaço da experiência se identificou com o domínio do olhar que se tornou o depositário e a fonte de clareza. A presença da doença no corpo passou a ser objeto para o olhar positivo do médico. Assim, a sociedade ocidental passou a compreender a noção de saúde a partir da noção de doença, e é nesse ponto que está o problema da prevenção e do limite entre normal e patológico (CANGUILHEM, 1990).

A normalidade pode ser entendida, em termos de média estatística, como tendo o seu valor na projeção de normas de saúde para a população, mas faz desaparecer a individualidade do fenômeno estudado na prática clínica. O pesquisador postula a existência de um continuum mensurável entre o estado fisiológico e sua perturbação, que pode ser muito diferente do ponto de vista do doente que vivencia sua doença. Este utiliza uma noção de norma relacionada a valor. Sua saúde faz parte de seus ideais, de suas representações do funcionamento de seu corpo, de sua autoimagem, e estes podem não estar de acordo com os de seu médico e da ciência oficial do momento.

Especialização em Saúde da Família
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