DESAFIOS MICROPOLÍTICOS EM CONTEXTO INTERCULTURAL: REPENSANDO O PROCESSO DE TRABALHO NO ATENDIMENTO AOS GUARANI MBYA DAS ALDEIAS CAMPO MOLHADO E CAMPO BONITO - DSEI INTERIOR SUL.

Abstract

As Terras Indígenas (TI) Campo Molhado e Campo Bonito, localizadas nas cidades de Maquiné e Torres, Rio Grande do Sul, representam algumas das possibilidades de ocupação territorial dos Guarani Mbya, integrando um complexo mapa que se estende pelas regiões Sul e Sudeste do Brasil e transcende as fronteiras nacionais. A primeira corresponde à maior Terra Indígena Guarani do estado, ocupada desde a segunda metade da década de 1970 e homologada em 2001 após anos de resistência, localizada em região de difícil acesso e clima rigoroso, afastada da cidade e com amplo acesso a recursos naturais. A segunda, em contrapartida, é Reserva Indígena adquirida em medida compensatória às obras de duplicação da BR-101, localizada às margens da mesma rodovia, em ambiente degradado e com fácil conexão às cidades da redondeza. Geridas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul, ambas são atendidas de forma volante pela Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI) do Polo Base Osório. O presente trabalho buscou descrever, comparar e contrastar características dessas Terras Indígenas, que na língua guarani recebem o mesmo nome - Nhuu Porã -, e levantar alguns dados sociodemográficos e epidemiológicos que auxiliem na compreensão de suas realidades. A centralidade da espiritualidade e das práticas tradicionais se mantém em ambas as aldeias, com adaptações às possibilidades locais. Há maior vulnerabilidade socioeconômica do Campo Bonito, com possíveis implicações no padrão morbimortalidade. Campo Molhado encontra-se em declínio populacional há muitos anos, enquanto Campo Bonito recebe novos moradores quase semanalmente. Ambas as aldeias mantêm altas taxas de natalidade e fecundidade. Enquanto Campo Molhado não registrou mortes nos últimos 5 anos, Campo Bonito sustenta elevadas taxas de mortalidade geral e infantil, bem como elevado número de internações hospitalares. A obesidade cresce no Campo Bonito, possível reflexo de mudanças no padrão alimentar. Mesmo mediante boa cobertura de pré-natal, ambas as aldeias mantêm padrão de nascimento de crianças de baixo peso. Ao final, concluímos ressaltando a importância do conhecimento e discussão dessas realidades pela EMSI, como informações que embasem um processo de planejamento adequado ao enfrentamento das dificuldades particulares de cada localidade, em construção participativa e horizontalizada. Levantamos algumas dificuldades relacionadas ao processo de trabalho em saúde indígena, potencializadas pelos desafios da interculturalidade. Buscamos traçar alguns caminhos para a implementação e condução de práticas transformadoras no âmbito micropolítico da atenção à saúde indígena.